sexta-feira, outubro 15, 2004

Ainda Jacques Derrida

Mais uma tradução de Pedro Eiras, em homenagem ao filósofo francês:

"Porque, de cada vez, e de cada vez singularmente, de cada vez insubstituivelmente, de cada vez infinitamente, a morte não é nada menos do que um fim do mundo. Não só um fim entre outros, não o fim de alguém ou de algo no mundo, não o fim de uma vida ou de um vivo. A morte não põe um termo a alguém no mundo, nem a um mundo entre outros, a morte marca de cada vez, e de cada vez contra a aritmética, o fim absoluto do único e mesmo mundo, daquilo que cada um abre como um único e mesmo mundo, o fim do único mundo, o fim da totalidade daquilo que é ou pode apresentar-se como a origem do mundo para um certo vivo, um único vivo, humano ou não.
Então, o sobrevivente fica sozinho. Além do mundo do outro, ele fica ainda de algum modo além ou aquém do próprio mundo. No mundo fora do mundo e privado do mundo. Sente-se pelo menos como o único responsável, chamado a transportar em si o outro e o seu mundo, o outro e o mundo desaparecidos, responsável sem mundo (weltlos), sem o solo de qualquer mundo, doravante, num mundo sem mundo, como sem terra mais além do que o fim do mundo."

Béliers. Le dialogue ininterrompu :
entre deux infinis, le poème (2003), p. 23



quinta-feira, outubro 14, 2004

Fim da picada

Há um deputado brasileiro (e evangélico) que acredita que o Estado deve investir... na "cura" dos homossexuais! A criatura chama-se Edino Fonseca e, ao que parece, deve sofrer de autismo. Como é que um país como o Brasil, cujo sistema público de saúde está a estourar pelas costuras, pode se dar ao luxo de "tratar" algo que, de resto, não é uma doença? Edino Fonseca deveria, isso sim, ser deportado directamente para a Quinta das Celebridades.

Cartas de Mariana Blanc

A brasileira Mariana Blanc criou um blog com textos antigos, uma espécie de gaveta virtual dos seus apontamentos e contos. É muito curioso, sobretudo para quem conhece a verve desta menina que, sem sombra de dúvida, herdou a poesia do velho Aldir Blanc.

quarta-feira, outubro 13, 2004

Fernando Sabino virou menino

O mundo das palavras sofreu ontem mais uma perda. Fernando Sabino, escritor brasileiro, pede para que escrevam na sua lápide: "nasci homem, morri menino". Recebo a notícia através de uma amiga, que me envia o seguinte texto:

"Hoje Fernando Sabino reinaugura os céus. Assim mesmo - no plural - porque será preciso mais de um para dar conta de sua alegria macunaímica. Leva corpo e alma de menino, como queria, alastrando a inevitável juventude.

Quando os ventos uivarem um canto mais claro, quando a lua alumbrar sem piedade, quando uma estrela driblar o brilho do dia, a certeza: coisa de Fernando em festejo de presença. A partir de hoje, a graça dos céus será dele."


sábado, outubro 09, 2004

Jacques Derrida despede-se aos 74 anos



"Atrás de um romance, ou de um poema, atrás daquilo que é com efeito a riqueza de um sentido a interpretar, não há que procurar um sentido secreto. O segredo de uma personagem, por exemplo, não existe, ela não tem qualquer espessura fora do fenómeno literário. Tudo é secreto na literatura e não existe qualquer segredo escondido atrás dela"

Entrevista do filósofo francês a Antoine Stire, em 2000, publicada na obra "Papier Machine" (2001). Excerto escolhido e traduzido pelo escritor Pedro Eiras (com a sua habitual sensibilidade).

quinta-feira, outubro 07, 2004

EU AMO

Eu amo o teu gravador de chamadas.
Ele não me abandona
e repete vezes sem conta
a tua voz.

Pedro Mexia in "Avalanche (Quasi, 2001)

Deslumbramento de Outono



Já há folhas caídas no Little Black Spot.

Os acordes do lixo

Tinha que ser no Brasil. A criatividade própria das favelas deu origem, mais uma vez, a uma orquestra feita inteiramente de lixo. O projecto chama-se "Reciclagem, Misancene e Música" e tem sido desenvolvido na comunidade Mangueiral, em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Canos de PVC, caricas, caixinhas de doces, cascas de árvores e até campainhas de telefones velhos dão origem a instrumentos musicais. Dessa forma, os jovens aprendem a fazer música e a produzir as suas próprias ferramentas de trabalho. Leia mais sobre a iniciativa aqui.



terça-feira, outubro 05, 2004

O perfume e a curiosidade

Há mais de 200 anos, o físico alemão Christof Lichtenberg escreveu no seu diário:

"To invent an infallible remedy against toothache, which would take it away in a moment, might be as valuable and more than to discover a new planet... but I do not know how to start the diary of this year with a more important topic than the news of the new planet".

O cientista queria dizer que a descoberta do planeta Urano, em 1781, era algo importantíssimo para o conhecimento do mundo, independentemente de ter ou não uma utilidade prática. Curiosidade, em síntese.

Foi divulgada, ontem, a atribuição do Prémio Nobel da Medicina 2004 aos investigadores Richard Axel e Linda Buck, ambos norte-americanos. A dupla estudou milhares de genes envolvidos no olfato. Estavam movidos pela curiosidade, embora admitam agora que os seus estudos, publicados em 1991, possam vir a ser úteis no tratamento de pessoas sem olfato. Descobriu-se assim que podemos armazenas numa base de dados cerca de dez mil cheiros, sendo certo que muitos deles nos fazem lembrar o homem amado ou uma fatia da infância.

Só mesmo no Brasil

O jornalista Marcelo Camacho teve a ideia de reunir em livro 1001 razões para gostar do Brasil. A editora brasileira sextante publicou esta lista afectiva num volume de bolso. A leitura é deliciosa. Seguem alguns exemplos.

1) Tratar garçons de um restaurante pelo nome

2) João Gilberto cantando "Chega de Saudade"

3) Tratar todo mundo por "você" e "senhor", mesmo que seja o presidente da República

4) O bico do tucano

5) Rapadura

6) Ouvir dizer que Deus é brasileiro

7) Os romances policiais de Rubem Fonseca