Os inquéritos sobre livros costumam ser chatos porque são quase sempre iguais. Mais do mesmo. E também porque as pessoas respondem aquilo que os outros gostam ler, livros báaaaasicos para qualquer pessoa inteligente e culta e coisa e tal. No entanto, hoje li o inquérito muito interessante da secção "Ratos de Livraria" com a escritora brasileira Ana Maria Machado, publicado no óptimo Nominimo . As perguntas são francas e as respostas também. Vale a pena dar uma olhada.
#Qual o livro que você mais relê?
Poesia completa de Carlos Drummond de Andrade.
# E que livro relido ficou melhor?
“O Velho e o Mar”, de Ernest Hemmingway e “O Grande Gatsby”, de Scott Fitzgerald.
# Cite um livro decepcionante, que frustou suas melhores expectativas?
“A Montanha Mágica”, de Thomas Mann.
# E um livro surpreendente, que é bom mas pelo qual você não dava nada?
“Somos todos arlequins”, de Vladimir Nabokov.
# Há cenas marcantes na boa literatura. Cite duas de sua antologia pessoal.
Em “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, Bentinho adolescente ajudando Capitu com as tranças e roçando o pescoço dela. Em “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, o sangue que escorre, atravessa a rua, sobe os degraus e vai mostrar à mãe que seu filho morreu.
# Há personagens tão fortes na literatura que ganham vida própria. Cite os que tiveram esta força na sua imaginação de leitora.
Julien Sorel (de “O vermelho e o negro”, de Stendhal), Judas, o Obscuro (de Thomas Hardy), Macabéa (de “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector), Miguilim (de “Campo geral”, de Guimarães Rosa), Heathcliff (de “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë).
# Qual o livro bom mas que lhe fez mal de tão perturbador?
“Crime e Castigo”, de Dostoievsky, “Lolita”, de Vladimir Nabokov, “The Child in Time”, de Ian McEwan, “A Asa Esquerda do Anjo”, de Lya Luft, “Beloved”, de Toni Morrison.
Um blogue escrito por três pares de mãos separados por águas atlânticas. Uma viagem com escalas no Rio de Janeiro, em Londres e Senhora da Hora.
terça-feira, julho 29, 2003
segunda-feira, julho 28, 2003
Por artes de Macondo
Antes de tudo, preciso bradar aos céus a seguinte notícia: acabei de ler "Viver para contá-la" (D. Quixote). Sim, pode parecer uma coisa simples... mas eu demorei algumas semanitas. Estou feliz. Mas senti uma curiosidade louca de saber o que diz na carta enviada por Mercedes a Gabo e, o mais importante, de saber se eles casam ou não. É óbvio que o desfecho suspenso do livro, como um rabo de gato a sair por debaixo da cama, nasce por artes de um narrador que sabe domesticar o seu leitor. Acontece que o que me fascina é a manta biográfica que reveste a construção do texto, ou seja, saber que, apesar de ser um real transfigurado pela mão do escritor, ali há matéria humana. As personagens têm ou tiveram carne, osso e cartilagem. E a Mercedes realmente escreveu um carta.
domingo, julho 27, 2003
Recebi pelo correio o livro "Uma Descida no Maelstrom" de uma pessoa que não conheço. É um conto de Edgar Allan Poe retirado do delicioso "Histórias Extraordinárias". Ganhei esta prenda, vinda dentro de um envelope, de um leitor tão generoso a ponto de partilhar um texto belo. São essas as delícias do Bookcrossing (www.bookcrossing.com).
domingo, julho 13, 2003
Estava a ler "Viver para contá-la" (D. Quixote, 2003), de Gabriel García Márquez, quando me indaguei sobre como os estados de espírito podem afectar tão profundamente a leitura. Muitas pessoas podem ler a passagem "Estava tudo pronto para o desembarque feliz da mãe e das irmãs, quando chegou o telegrama com a notícia de que o avô Nicolás Márquez tinha morrido" (p. 120) como mais um dos milhares de elementos que compõem esta narrativa biográfica de Gabo. Para mim, contudo, que perdi o meu magistral avô no dia 18 de Dezembro de 2002, é impossível atravessar aquelas palavras sem estabelecer um diálogo muito próximo com a minha própria vivência. Pois quando o autor colombiano diz que "hoje vejo-o com clareza: algo meu morrera com ele", que posso eu fazer além de concordar e chorar? Que maior certeza poderia eu ter, com a obra de 600 páginas em mãos, de que são aquelas as palavras que talvez eu escolhesse se tivesse nascido com a literatura nas pontas dos dedos? Não nego que o Nicolás que se ergue na minha imaginação leitora tem as feições de António Almeida Azevedo.
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