Um blogue escrito por três pares de mãos separados por águas atlânticas. Uma viagem com escalas no Rio de Janeiro, em Londres e Senhora da Hora.
domingo, novembro 02, 2003
André Kertèsz
Autoretrato com gato, Paris (1927)
Apaixonei-me por André Kertèsz quando li "A Câmara Clara", de Roland Barthes. Agradeço ao ensaísta francês esta prenda. Depois tropecei num ensaio de Maria Filomena Molder (não confundir com a Mónica), publicado no livro "Semear na Neve" (Relógio D´Água). Neste texto, Molder fala de um livro belíssimo chamado "On Reading", que reúne imagens de pessoas comuns a ler. A beleza das imagens registadas pelo fotógrafo húngaro reside precisamente no facto dele enxergar no comum aquilo que ninguém vê, apesar de ter ao alcance dos olhos. Curiosamente, ele próprio se retrata a ler, mergulhado nas páginas de um livro.
"Como estado ideal, a leitura transtorna muitas das distinções que permitem diferenciar os homens entre si e os fazem a nossos olhos mais justos ou menos justos. De um rosto que está entregue à leitura sobe o sussurro ou o murmúrio de quem participa numa grande mente. Cada um que lê reúne-se a uma imensidade pensante, em repouso, quem lê está em estado de levitação, pertence a uma imagem pairante." Maria Filomena Molder
"Neste livro [On Reading, de Kertèsz], aqueles que lêem nascem à luz do dia, a luz apresenta-se reinando. Não é pela inquietação do obscuro que a leitura descobre a sua irmandade com a morte e com o sono; se estes são seus familiares, isso deve-se à posição do corpo e à pacificação dos seus ritmos inerentes, como estando ido para uma viagem que anuncia a derradeira e redime sempre, sempre. Aquele que lê tem os olhos baixos, mesmo que seja ao de leve (há exemplos vertiginosos, como o da velha lendo longas folhas num cais de Paris, 1928, ou o homem que lê enquanto caminha numa rua de Buenos Aires, em 10 de Julho de 1962, ou duas, entre várias, das admiráveis fotografias de crianças, uma quase deitada sobre um montão de detritos de revistas e jornais, Nova Iorque, 12 de Outubro de 1944 (...)" Maria Filomena Molder
"O livrinho [On Reading], que contém sessenta e três fotografias dedicadas à leitura, abre com uma multidão de pássaros de luz, esvoaçando sem sair do mesmo ponto entre as folhas adivinhadas de uma árvore e os revérberos de um cortinado: sobre uma mesa em frente da janela está um livro aberto, à esquerda uma caixa de porcelana cuja tampa tem a forma de um pássaro, uma pomba. O que é um livro aberto sobre uma mesa? Um convite à rememoração, um chamamento de luz, procurar cada vez mais luz."
Outros trabalhos do artista na capital francesa, cidade que escolheu para viver e fotografar com uma Leica:
Fete Foraine
"The moment always dictates in my work. What I feel, I do. This is the most important thing for me, Everybody can look, but they don't necessarily see. I never calculate or consider; I see a situation and I know that it's right, even if I have to go back to get the proper lighting." Andre Kertesz
Torre Eiffel, Paris (1925)
In les hall, Paris (1929)
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