quinta-feira, março 18, 2004

W. G. Sebald II

Duas fotos de "Os Emigrantes", do escritor W. G. Sebald, aparecem na capa do próprio livro (reproduzida numa mensagem recente neste cais). Elas revelam um cemitério judeu, uma árvore portentosa e uma ferrovia. São elementos muito importantes nas quatro histórias de vida que compõem estas obra. Sebald reconstruiu a partir de diários, imagens, relatos, cartas, pinturas e observações a existência de quatro pessoas que deixaram as suas terras, mas jamais conseguiram abolir o peso da memória.



Há um pintor russo, cujos pais foram deportados e eliminados durante a Segunda Guerra Mundial, que foge para Manchester porque julga que ali esquecerá o passado.

Mas a nossa pré-história é um sobretudo muito comprido, nós fechamos a porta num estrondo e o tecido não deixa o trinco bater. Então nós puxamos a roupa de forma febril, puxamos tudo para conseguir enfim cerrar, selar e trancar a sete chaves essa porta que deixa o turbilhão da lembrança se abater sobre nós. Suspiramos de alívio. Mas quando olhamos à volta, vemos que arrastamos com a cauda do sobretudo os nossos fantasmas e esqueletos mais terríveis. Entramos em desespero e tentamos despir esse casaco inglório, arrancar a peça que nos aquece e congela a alma ao mesmo tempo, mas tudo é vão porque o sobretudo está costurado à pele com uma linha de aço.

O velho pintor só percebe isso muitos anos depois, quando vislumbra em Manchester tudo aquilo que deixou para trás: as cartas dos pais que nunca mais chegaram, a humilhação recorrente, o diário da mãe que só teve força para ler apenas duas vezes. Esta é uma das quatro histórias pungentes que Sebald conta em "Os Emigrantes", um livro recheado de fotos e recortes, elementos que em vez de limitarem a capacidade imaginativa do leitor instigam-na ainda mais. Vale a pena a leitura.

Para quem quiser saber mais sobre este autor alemão, há aqui um artigo interessante de Michael Thorpe sobre como Sebald confronta com os seus textos a amnésia colectiva. Algo que nos faz pensar sobre os recentes atentados de Madrid e Nova Iorque.

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