Quem pretende visitar a Alemanha, sobretudo Berlim e Hamburgo, pode encontrar nas obras de W.G.Sebald (1944 – 2001) preciosas notas para compreender o comportamento germânico após 1945. A ficção deste autor é muito subtil nas mensagens que encerra, mas guarda em si uma teoria sobre o registo da dor humana em tempos de guerra. No livro "Sobre la história natural de la destrucción" – tendo aqui em conta a edição espanhola, uma vez que estes quatro ensaios ainda não estão traduzidos para o português – encontramos uma enunciação clara dessa mesma teoria. Recuperando o conteúdo das suas conferências de Zurique, Sebald mostra como os alemães cobriram com um manto de amnésia as ruínas provocadas pelos ataques aéreos dos Aliados. Calcula-se que 131 cidades alemãs tenham sido bombardeadas, cerca de 600 mil civis morreram e outros 7,5 milhões ficaram sem casa.
Os registos da destruição praticamente não foram transpostos para a literatura. Quem visita hoje Berlim encontra réplicas perfeitas de monumentos transformados em pó durante a Segunda Guerra Mundial. Parece-nos uma espécie de simulacro, para que a vaga entre 1937 e 1945 possa ser soterrada e a vida prossiga seguindo a imprescindível ordem natural das coisas. Sebald não tem dúvidas de que a dor alemã ficou por escrever – mulheres que carregaram em malas os seus bebés carbonizados, por exemplo, ou cadáveres encolhidos nas ruas, a boiar sobre a sua própria gordura derretida –, nem de que os registos hoje disponíveis se devem em grande parte a observadores estrangeiros. Talvez porque a sociedade civil não estivesse preparada, numa situação pós-traumática, para inscrever na História o horror de uma devastação impulsionada pela própria liderança germânica. Ou porque não lhe parecesse lícito, face à incalculável brutalidade dos campos de concentração, dar voz à própria dor.
Sebald só chegou às livrarias portuguesas recentemente, com a obra "Austerlitz" (Teorema, 2004). É uma espécie de autobiografia romanceada de uma personagem de origem judia, a quem foi atribuído um nome substituto, Austerlitz – que é curiosamente o nome de uma gare em Paris, mas também uma palavra que soa aos nossos ouvidos estridente como Auschwitz. Austerlitz parece ser um homem sem passado ou pertença – daí a ideia de uma estação, um lugar de transição perpétua, um cais onde não se cria raízes. Através do narrador, que se encontra com esta misteriosa figura em Antuérpia e Londres, vamos conhecendo melhor um homem angustiado com a sua própria memória, num dilema incessante entre a sobrevivência e o dever de preservar a sua própria história.
"Sobre la história natural de la destrucción
Editora Anagrama
(Barcelona, 2003)
Preço: 12 euros
(Fugas, 2005)
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