A avó, sempre que dezembro chegava, esforçava-se ao máximo para deixar-se contagiar pelo espírito de Natal. No entanto, nessa época vinha-lhe uma certa tristeza, talvez nostalgia, não dos antigos Natais vividos e inesquecíveis, mas do que poderia ter sido e não foi. Havia sempre uma defasagem entre a expectativa, o Natal sonhado, e o efetivamente realizado. Ficava um certo travo, um sabor um tanto amargo. Incomodavam-na profundamente a febre consumista, a agitação daquele mundo de gente-que-deixa-tudo-pra-última hora; a hiper-presença de Papai Noel como garoto propaganda de shoppings e lojas (e, em contrapartida, o quase total esquecimento do aniversariante - Jesus); as interesseiras "caixinhas", por vezes acompanhadas de falsas gentilezas pré-natalinas, em geral inexistentes durante o ano; o aumento inexplicável de muitos produtos, sob o pretexto de - como não aceitava e entendia isso? - "é Natal "! ; etc.
Além disso, ou sobretudo, Natal lembrava-lhe a família distante - os filhos, a querida netinha... Difícil Dezembro. E este havia sido, justamente, o mês da perda de um dos familiares mais amados... Tudo isso conflitava com uma certa obrigatoriedade de ter-que-ser-feliz nessa data... Por isso, o Natal doía-lhe demais...
Neste ano, como nos outros anos, decidiu não tentar remar contra a maré. Mais uma vez enfeitou a árvore, armou o presépio, enviou prendas e mensagens aos seres amados, respondeu aos cartões recebidos... Desta vez, porém, mesmo sozinha, e sem temer a chuva, foi assistir à Parada Iluminada na Avenida Atlântica, na noite de 22 de dezembro.
Choveu bastante. Mas na hora do desfile, chovia levemente. Havia muitas famílias com crianças ao longo da avenida, à espera do cortejo. A garotada vibrava a cada ala que passava, em pura empolgação. E os adultos, contagiados, aplaudiam e tiravam fotos.
A avó desejou muito que a pequena neta também estivesse ali, assistindo àquela festa de luzes e cores. Imaginou-lhe os olhos extasiados, os gritinhos de alegria. Sentiu-a no colo, os braços a envolver-lhe o pescoço, a cabeça esticada para ver melhor... E mentalmente, baixinho, como quem sopra ao ouvido de alguém, foi comentando com ela as fantasias, as alegorias, as músicas, os atores...
De repente, quase sem perceber como, notou que não estava mais só. Afinal, o espírito de Natal batera à sua porta, fora de casa, no meio da multidão. Voltou para casa sorrindo. Ganhara um (in)esperado presente, uma bela imagem do Natal, no presente. Um dia, num Natal futuro, poderia contar à menina o encontro que tiveram. E dizer-lhe o que veio dizendo a si mesma, enquanto andava: valeu a pena ter aberto a porta e dar uma chance à alegria...
1 comentário:
Poesia em forma de prosa. Deixo minha prenda cá nesta página na forma de emoção, se é que este sentimento tenha forma; se o tivesse ou se o tiver, não haveria papel que chegasse para embrulhá-la, nem laço que lhe desse a volta.
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