segunda-feira, janeiro 28, 2008

Dupla data natalícia

Hoje a avó e o avô têm pelo menos duas razões para celebrar a vida.

Primeira: a netinha que vive em Portugal completa dois anos e meio. Por isso, ontem, quando a avó e o avô conversaram com a menininha através da webcan, a avó fez questão de não deixar sem registro essa data. Bastou apenas entoar a expressão "parabéns pra você" e, mesmo sem entender bem o porquê da canção, a netinha abriu logo um largo sorriso. Não havia ali naquele momento nenhuma máquina fotográfica para gravá-lo, mas não faz mal: a linda imagem ficou poderosamente impressa na memória afetiva dos avós.

Segunda: há exatamente nove anos atrás, no INCOR de São Paulo, o vovô recebia uma prótese no coração. De certo modo, se consideramos essa nova vida, o avô ainda é uma criança, por vontade divina (a mão de Deus) e perícia humana (o diagnóstico preciso do cardiologista, Dr. Flávio, e a mão experiente do cirurgião, Dr. Pablo). Assim, nesse novo tempo que lhe foi concedido, o avô teve muitas alegrias (e algumas tristezas também, pois fazem parte da vida, contudo não vale a pena delas falar), mas, sem dúvida, a maior de todas foi a de poder conhecer a menininha de sorriso luminoso.

Hoje a avó e o vovô comemorarão com uma bacalhoada especial essa dupla data natalícia. Dessalgar o bacalhau é sempre tarefa do avô. Prepará-lo e arrumar a mesa, em geral cabe à avó. Enquanto não chega a hora da refeição, a avó escreve este post e sorri, lembrando-se das palavras que escreveu no cartão de agradecimento à equipe médica do hospital (fica aqui novamente registrada a sua imensa gratidão): "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" (Fernando Pessoa). E, apesar da saudade dos filhos e da netinha que vivem do outro lado do cais, enche o seu coração a certeza desta alegria: saber que, logo mais, ela e seu amor brindarão à felicidade de estarem juntos, vivos.

Por tudo isso, nunca é demais repetir, recorrendo às palavras de outro poeta, a vida "é bonita, é bonita e é bonita" (Gonzaguinha).

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Coisas de criança 11

Esta história ocorreu quando a menininha passou férias pela primeira vez com os avós, com quem pouco convivia, pois eles moravam em outro país.

Quando os avós vieram a Portugal, a menininha pôde enfim ficar uns dias com eles, na casa da bisavó, situada numa vila, fora das grandes cidades. Foi nessa época que exultou com os cataventos, deliciou-se com as frutas da época, conheceu vários bichos, tomou banho de piscininha no quintal, enfim, divertiu-se a valer.

Na primeira noite, após brincar animadamente na sala, chegou a hora de ir para a cama. Para convencê-la, a avó precisou recorrer a um refrão, desfiando os nomes de pessoas e bichos que já tinham ido dormir:

- As galinhas foram nanar. O tio * subiu para o quarto dele, foi nanar. A tia * foi nanar. O vovô * já foi nanar. Todo mundo foi nanar. A vovó * está com soninho e quer nanar. Você também vai nanar...

A menininha entendeu perfeitamente e, sem estranhar, aceitou deitar-se na nova caminha, aos pés da cama dos avós. Tão à vontade, que parecia sempre ter dormido ali.

A avó cobriu a neta com a manta, pôs em redor dela alguns bonecos (os preferidos daquele momento), acariciou-lhe suavemente os caracóis e deu-lhe muitos beijos de boa-noite. Depois, deitou-se e apagou a luz.

Logo a menininha falou :
- Vovó!
A avó prontamente respondeu:
- Hãn?
- A luz!

Pensando que a menininha só queria comentar que a luz se apagara (e talvez prolongar um pouco mais a possibilidade de ficar acordada...), a avó respondeu:

-Sim, meu amor, vovó apagou a luz.

Este diálogo repetiu-se várias vezes até que as duas finalmente adormeceram.

Só depois a avó ficou a saber que a menininha costumava adormecer com uma luzinha acesa. Costumava, porque, a partir de então, nunca mais comentou quando a avó apagava a luz...

domingo, janeiro 20, 2008

A avó e o abraço de Emmanuel e sua mãe

A avó anda meio (para não dizer muito) desalentada. Preocupa-se demais com a visível perda de valores fundamentais, em diversos setores da sociedade, sobretudo na esfera familiar. Ocorre-lhe um exemplo, bastante próximo, do terrível poder das forças desagregadoras: um bom homem levou mais de vinte anos pacientemente a tentar reaproximar os membros desavindos da família. Quando cuidava que enfim havia conseguido, eis que, por gosto de cobiça, a maldição de Caim fez-se presente, e a força centrífuga da desarmonia e do desamor contaminou a todos, de forma bem mais devastadora, trazendo ao velho pai um misto de impotência, vergonha e profunda tristeza nos últimos anos da sua vida.

Em outras famílias (infelizmente em quase todas há sempre um caso: um primo, um sobrinho, um filho...), as conseqüências das drogas são igualmente ou ainda mais devastadoras. Todos - pais, irmãos, avós... - são atingidos pelos efeitos e sofrem de alguma maneira com a situação. Lares são destruídos. Potencialidades desperdiçadas. Projetos de vida abortados ou sequer concebidos. Milhares de vidas perdidas, envolvendo em dor e lágrimas quem estiver próximo. E apesar de toda informação que circula, das campanhas na mídia, dos esclarecimentos de educadores e especialistas, dos cuidados dos familiares, o problema cresce exponencialmente, de forma assustadora.

Mais terrível ainda é quando os próprios pais, inteiramente inconseqüentes em relação ao ambiente em que os filhos vivem, entregam-se ao vício, expondo a integridade física e psicológica das crianças. Como não sentir desalento e preocupação, quando se tem notícia de que aqueles que a princípio deveriam zelar pela educação dos filhos, transmitindo-lhe os valores fundamentais que já andam tão escassos, são justamente os que, em suas ações e atitudes cotidianas, revelam-se incapazes de transmiti-los? Que futuro terão as crianças que convivem num ambiente familiar com adultos drogados? O que esses pais poderão oferecer-lhes em termos de formação de caráter?

Para não sucumbir diante da crescente tendência à desagregação de valores básicos, a avó apega-se à comovente imagem que andou circulando na imprensa mundial: a foto do abraço do pequeno Emmanuel e sua mãe, Clara Rojas. Para potencializar essa imagem, acrescenta-lhe a da tenaz mãe de Clara, de quem se sente muito cúmplice, imaginando-lhe a dupla alegria de enfim reencontrar a filha e o neto. Talvez essa imagem de afeto familiar seja um bom antídoto para o pessimismo geral. Talvez esse triplo abraço lhe traga um pouco de alento, enfim, um fio luminoso de esperança de que, apesar de tudo, pelo menos algumas (embora raras) vezes, a força agregadora do amor pode vencer.

sábado, janeiro 19, 2008

New haven


Quando este espaço virtual foi por mim criado, há quase cinco anos, não imaginava que o seu nome cumprisse tão bem o fim a que se destina: um ponto de encontro entre três pessoas separadas pelo oceano. Amanhã faz quinze dias que cheguei à Inglaterra. Tuki continua no Brasil (apesar de ser portuguesa). E Toni em Portugal (apesar de ser brasileiro). É bom saber que tenho este cais, dá-me segurança, imensa. Quando assim é, não custa tanto a partida e a ousadia (será ousado quem parte em segurança?). Nem sequer precisamos olhar para trás. Sabemos que estão ali, estarão sempre ali.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Coisas de criança 10

Tão pequenina a menina e já compreende perfeitamente a possibilidade de se comunicar com pessoas ausentes através dos modernos recursos! A madrinha, inclusive, um dia já a surpreendeu num delicioso faz-de-conta ao telefone, mantendo uma conversa imaginária com a vovó...

De quinze em quinze dias, através da webcan, a menininha interage com os avós que moram longe. Sente-se tão à vontade com a "presença" internética deles, que continua a brincar e a desenhar naturalmente, como se eles estivessem ali com ela, no mesmo aposento. De vez em quando, a pedido dos avós, levanta o papel ou o brinquedo e os mostra a eles, voltando-os para a tela....

Só uma única vez, quando começou a aprender a interagir eletronicamente, enganou-se e encostou o desenho ao ascultador do telefone, mas , orientada pela explicação do pai, rapidamente corrigiu a posição... Assim, sempre que têm oportunidade, os avós e a neta conversam e mostram objetos distantes...

Na mais recente comunicação entre avós e netinha, procurando reavivar brincadeiras de quando estavam juntos, a vovó disse à menina, enquanto estendia os braços em direção à câmera, fingindo brincar de pega-pega:

"- Eu vou te pegar! Eu e o vovô vamos te pegar!!!!!!!"

Esperta como ela só, a menininha logo respondeu, olhando a imagem dos avós enquadrada na tela do computador:

" - Não vão nada! Vocês estão presos!"