Estive a pensar e achei injusto citar "As Vinhas de Meu Pai" e não citar "Os Invisíveis", ambos das edições Quasi. Este livro tem uma delicadeza que, na minha opinião, supera aqueles versos de Ana Paula Inácio. Como já havia adiantado na mensagem anterior, a autora apresenta no seu primeiro trabalho em prosa 12 criaturas que padecem da invisibilidade na nossa sociedade eugénica.
É o rapaz meio Forrest Gump que os colegas chutam e achincalham no colégio. É a filha que cuida do pai enfermo e deixa escapar por entre os dedos a feminilidade, à medida que a areia se esvai na ampulheta. É a mulher (tão clariciana, meu deus...) que deixa a porta fechar acidentalmente e fica refém da sua própria casa alugada, um lugar de transição onde a personagem mal consegue deixar a sua marca identitária. São, enfim, figuras com quem já privamos em algum dia ou lugar. Figuras que quase pedem desculpas por existir, num esforço enorme para serem invisíveis. Seres de papel pelas mãos de Ana Paula Inácio, que nos obriga a estar atentos à dor do mundo, a estar mais perto do coração selvagem.
"Nunca fui bonita e sempre fiz um esforço por me tornar visível. Sem dar nas vistas à custa de exuberância. Apenas pretender que os olhares mais próximos se demorassem em mim num momentos de ternura ou mesmo lassidão. Mas a senhora conhece o ditado, Se não consegues vencê-los, junta-te a eles, e foi assim que deixei de existir, mesmo nos espelhos onde, começando por me tornar baça, me rarefiz em partículas mínimas de pó ou ainda nas fotografias onde me diluí num tom sépia e depois neutral."
(in "A Mulher que se Fez Cão e Depois Partícula Mínima de Praia")
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