sexta-feira, agosto 22, 2003

Ana Paula Inácio



Um dia João Gesta disse: "Tens de conhecer a Ana Paula Inácio. É uma das vozes mais fortes da poesia contemporânea". Ofereceu-me generosamente, como sempre, dois títulos editados pela Quasi: "As Vinhas de Meu Pai" (2000) e "Os Invisíveis" (2002). Este é o seu primeiro livro de prosa.

Carlos Bessa escreve que ali estão reunidos 12 contos sobre a crueldade. Textos sobre gente comum. Histórias que nos fazem pensar na humilhação de "Felicidade Clandestina", da Clarice Lispector. A diferença é que o desfecho clariciano permite o encontro com o objecto amado - o livro, neste caso -, ao passo que as personagens de Ana Paula acabam por aceitarem a auto-imagem de pequenez, a propensão à melancolia e a geografia imutável da insularidade da alma.

Pinço o poema abaixo de "As Vinhas de Meu Pai" (quase escrevia da ira...)

olho à volta
em flecha sobre as coisas
à procura desse ladrão excepcional
que me roubou o livro inventado
pra me poupares o coração
à mágoa dos vivos
mas sei que é inútil
trago em alvo
apenas alfaias dométicas
com que trabalho a terra
aquela que escolhi
e sei que é inútil porque o mal tem asas
e só o vento nos salva
e nos transporta
ao lugar da árvore
junto ao rio onde me banharei três vezes
até que o galo cante
e me lembre do meu pai
a quem devo ceia e roupa branca

Ana Paula Inácio nasceu no Porto, em 1966, e vive hoje no meio do Atlântico (é o que diz a contracapa do livro, que reúne textos escritos entre 1992 e 1993). Além dessas duas obras, a autora publicou ainda "Vago Pressentimento Azul Por Cima".

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