quinta-feira, outubro 16, 2003

À porta de Llansol



Escrevo este texto motivada pelo comentário de um arqueólogo no arame.

Demorei alguns anos para conseguir entrar verdadeiramente na casa de Llansol. Estive à soleira muitas vezes, deslizava as mãos pelo umbral, mas, apesar da porta estar aberta, era difícil para mim aceitar estar num Mundo por vezes incompreensível. O que eu não percebia era que a chave para Maria Gabriela Llansol era muito semelhante àquela que sempre utilizei para Clarice Lispector.

Clarice escreveu: "Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo o entendimento."

A eficiência textual de Llansol está, muitas vezes, ligada a uma vivência da textualidade que não vem acompanhada de um raciocínio linear. Eduardo Prado Coelho explica isso muito bem no livro "Tudo o que não escrevi":

"É verdade que estes textos me fascinam, mesmo quando não estou certo de os entender perfeitamente (melhor: sobretudo quando não estou certo). É verdade (creio) que estes textos fascinam tanto Maria Gabriela Llansol quanto a mim próprio. É o facto de neles se desarmar toda a autoridade de um autor que os torna simultaneamente precários, vulneráveis e deslumbrantes. Qualquer leitor pode bater à porta e entrar. O que o aguarda é apenas a serenidade e a justeza das coisas eveidentes: pão, água, o convívio com as plantas e os animais, alguma luz mesmo de noite no corpo da própria luz. E o amor como partilha do mais difícil."

"eu não posso ler Llansol como se lê um romance - na precipitação ofegante de chegar ao fim. Leio Llansol de lápis na mão, porque é o lápis que me impõe a demora, que me entrava no texto. Isto é, detém-me, contém-me diante da palavra seguinte, obriga-me a voltar atrás, a enredar-me no desenho da escrita."

Sem comentários: