Um blogue escrito por três pares de mãos separados por águas atlânticas. Uma viagem com escalas no Rio de Janeiro, em Londres e Senhora da Hora.
sexta-feira, dezembro 12, 2003
Hoje é dia de Eduardo Coutinho
A séptima edição do Festival de Cinema Luso-Brasileiro homenageia hoje, às 22h00, o realizador brasileiro Eduardo Coutinho. Será exibido no auditório da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira o documentário "Edifício Master" (2002), um trabalho muito revelador sobre a classe média carioca. O filme foi feito com dezenas de moradores de um prédio em Copacabana, no Rio de Janeiro. A câmera entra em vários dos apartamentos minúsculos do edifício, dando voz (e rosto) às vivências dos moradores. Há a garota de programa, a mulher que tem medo de olhar nos olhos dos outros, o porteiro que não sabe quem é o pai... São, enfim, relatos de pessoas comuns - Coutinho "odeia" figuras públicas -, discursos em primeira pessoa que fazem deste cineasta de 70 anos um mestre da arte de entrevistar. É o que explica o crítico Carlos Alberto Matos nas citações abaixo, que são fragmentos da introdução do livro "Eduardo Coutinho: o Homem que Caiu na Real", apresentado hoje em Santa Maria da Feira.
"A obra-prima Edifício Master chegou às telas no ano de 2002, num momento em que o documentário despontava como uma das vedetes da retomada do cinema brasileiro (como é chamado o reaquecimento da atividade após quatro anos de congelamento à época do governo Collor). Tão diversificados quanto os filmes de ficção, os documentários então conquistavam público, prestígio, espaços de exibição no cinema e na TV, mecanismos de apoio e patrocínio, repercussão em festivais etc. O discreto Eduardo Coutinho é parte importante desse renascimento e sua obra se oferece como referência de qualidade e compromisso."
Fotograma de "Cabra Marcado para Morrer"
"Eduardo Coutinho tornou-se o mais importante e influente documentarista brasileiro da atualidade não somente por seu modo judicioso de proceder, mas também pelo corpo de obra que erigiu ao longo da carreira. Nela os temas evoluem como galhos de uma árvore construtivista, comunicando-se de filme a filme e passando de secundários a principais. A religiosidade popular foi objeto de sua atenção crescente em "Santa Marta: Duas Semanas no Morro", "O Fio da Memória" e "Santo Forte." A vida na favela esteve presente em "Santa Marta", "Santo Forte" e "Babilônia 2000". As rivalidades familiares no Nordeste brasileiro estiveram em foco no ficcional "Faustão" e no documentário "Exu, uma Tragédia Sertaneja". O poder no campo foi tema de "Cabra Marcado para Morrer" e "Teodorico, o Imperador do Sertão". A subsistência retirada do lixo foi tangenciada em "A Lei e a Vida" antes de passar a assunto central de "Boca de Lixo"."
Fotograma de "O Fio da Memória"
"A Coutinho interessa o Outro, o diferente social e culturalmente. Por isso é difícil imaginar que ele ainda venha a se interessar pela elite da qual, incomodamente, participa. Os condôminos de classe média baixa enfocados em "Edifício Master" parecem constituir o seu limite em matéria de aproximação da vizinhança social."
Fotograma de "Santo Forte"
"Parte integrante desse cinema de pessoa a pessoa é a exposição do processo de documentação dentro do próprio filme. As chegadas da equipe, sempre documentadas por uma câmera de apoio a duplicar o eixo da câmera principal, tornaram-se uma marca desde Cabra Marcado para Morrer. Da mesma forma, a imagem do diretor, face a face com seus interlocutores e quase completamente desligado do aparato técnico ao seu redor, aparece intermitentemente - não para torná-lo catalisador do espetáculo da informação (como ocorre com Michael Moore e Nick Broomfield), mas apenas o suficiente para sublinhar a condição de encontro e o caráter de conversa. A montagem assimila também "ruídos" de diálogo, pagamento de cachês, retalhos de conversas circunstanciais à margem da entrevista etc, elementos habitualmente escamoteados na edição de documentários tradicionais."
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