Ele nasceu para amar a família, não a família por ele constituída através do casamento – mulher e filhos -, mas a que lhe coube por laços de sangue. Emigrou ainda jovem da terra de origem. E durante toda a vida o seu amor maior, além do interesse pelo trabalho, do gosto pela boa mesa e do prazer de jogar uma partida de cartas de vez em quando, era ajudar de alguma forma a todos. A cada Natal, a cada viagem de regresso ao seu país, seu pensamento esteve sempre voltado para essa família. Espalhou a sua imensa generosidade com grandeza de alma, sem olhar muito a quem contemplava, sem esperar nenhum reconhecimento. Fez o bem com o suado fruto do seu trabalho, não como penhor do futuro, mas pela pura intenção de fazer o próprio bem. Talvez o fizesse em nome da sua grande saudade dos pais e da casa que o viu nascer. Talvez para alguns parecesse uma criança grande, de quem se pode facilmente tirar um doce. Sua capacidade de doação era tamanha, que muitos julgaram que só podia ser um grande milionário, alguém que em terras estrangeiras tinha encontrado a ambicionada árvore das patacas. E freqüentemente se engalfinhavam para aumentar o seu imerecido quinhão.
Silenciosamente ele adoeceu. Foi-se apagando aos poucos a chama da sua vida. Viver foi perdendo o sentido. Por amar demasiada e desinteressadamente os seus, perdera aquilo a que também chamamos anima. Decerto percebeu as artimanhas e astúcias, algumas escancaradas, para arrancar-lhe mais e mais patacas. Decerto apercebeu-se da crescente desagregação familiar. E foi ficando mudo, vagaroso, quase imóvel, como se o movimento do corpo correspondesse ao da tristeza da alma.
Quando partiu de repente, manifestando ainda, através da dor da perda de um familiar, um gesto de amor, um último gesto de amor à família, alguns – poucos - o choraram muito sentida e discretamente. Choraram ao ver partir, de morte só aparentemente súbita, um ser incomum, mas consolava-os porém entender que assim pararia de sofrer a sua morte em vida. Outros, por trás da fingida comoção, disfarçadamente exultaram ante a possibilidade de enfim receber sua parte dos ovos de ouro. Outros ainda sequer disfarçaram, não se preocupando em esconder seu desamor. Muito poucos perceberam que aquele que partia era o verdadeiro tesouro, um raro tesouro humano neste nosso tempo de indigência ética e amorosa.
Um blogue escrito por três pares de mãos separados por águas atlânticas. Uma viagem com escalas no Rio de Janeiro, em Londres e Senhora da Hora.
terça-feira, fevereiro 28, 2006
sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Abraço da amendoeira
Quando estava muito debilitada, com o corpo doente, sufocada pelos acessos de tosse, senti necessidade de tomar um pouco de ar na varanda. Percebi que um galho da amendoeira se projetava em minha direção, como alguém que estende os braços, fraternamente, desejando dar alento ao outro. Por impulso, agarrei com as duas mãos o galho que se me ofertava, fechei os olhos, e recebi a energia que a árvore –mãe me enviava. No dia seguinte, já um pouco melhor, segurei novamente o generoso ramo, desta vez para agradecer a mensagem de vida.
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
Poema para o meu amor doente
Estava debilitada, febril, praticamente de cama, e recebi de alguém muito amado uma mensagem eletrônica com este título - Poema para o meu amor doente - e tendo como conteúdo este poema, de Eugénio de Andrade:
Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
As dores do corpo não desapareceram de imediato, mas uma sensação de conforto afetivo inundou-me o corpo e a alma, formando uma espécie de halo que se irradiou e se estendeu, como braços invisíveis, para me afagar.
Preciso dizer à doadora: colho embevecida as mãos que se me oferecem em buquê.
Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
As dores do corpo não desapareceram de imediato, mas uma sensação de conforto afetivo inundou-me o corpo e a alma, formando uma espécie de halo que se irradiou e se estendeu, como braços invisíveis, para me afagar.
Preciso dizer à doadora: colho embevecida as mãos que se me oferecem em buquê.
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
vestigia lectionis
O Paulo escreve coisas belíssimas, recorda-nos, por exemplo, que quem lê nunca está só. É verdade. Talvez por isso as pinturas ou fotos de pessoas a ler transmitam tanta serenidade. Ou prazer, pela aquisição do conhecimento. Sem perceber, Paulo organizou um pequeno inventário da iconografia da leitura.
terça-feira, fevereiro 07, 2006
Já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir
Foto de Andre Kèrtesz
"Aquele ciclo banal de adormecer e acordar no escuro, por baixo da roupa, com outro ser, um mamífero pálido, suave e terno, de faces encostadas num ritual de afecto, sedimentado por breves instantes nas necessidades eternas de ternura, consolo, segurança, de membros entrelaçados para estarem mais próximos - uma simples consolação diária, quase demasiado óbvia, fácil de esquecer com a luz do dia. Será que alguma vez foi descrito por um poeta? Não uma ocasião em particular, mas a sua repetição ao longo dos anos."
Sábado, de Ian McEwan (Gradiva, 2005)
"Aquele ciclo banal de adormecer e acordar no escuro, por baixo da roupa, com outro ser, um mamífero pálido, suave e terno, de faces encostadas num ritual de afecto, sedimentado por breves instantes nas necessidades eternas de ternura, consolo, segurança, de membros entrelaçados para estarem mais próximos - uma simples consolação diária, quase demasiado óbvia, fácil de esquecer com a luz do dia. Será que alguma vez foi descrito por um poeta? Não uma ocasião em particular, mas a sua repetição ao longo dos anos."
Sábado, de Ian McEwan (Gradiva, 2005)
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
A dor da indiferença
Pesquisadores norte-americanos concluíram que perceber o sentimento ou atitude de indiferença por parte de quem amamos (amigo, amado ou outro ente querido) provoca no cérebro uma reação semelhante à provocada no lado que sente a dor física.
A indiferença e o esquecimento pungem, fazem sangrar a alma. Não faz sentido causar dor a alguém, especialmente a quem amamos. Não faz sentido sofrer dor, sobretudo se for causada por um ser amado.
A indiferença e o esquecimento pungem, fazem sangrar a alma. Não faz sentido causar dor a alguém, especialmente a quem amamos. Não faz sentido sofrer dor, sobretudo se for causada por um ser amado.
sábado, fevereiro 04, 2006
Todas as cores do nome de amor
Quem não fica extasiado ao contemplar um arco-íris no céu? A física explica esse fenômeno do arco-íris atmosférico que transforma a luz branca em cores brilhantes. Os Dicionários da Língua Portuguesa o definem e registram vários sinônimos: arco-celeste, arco-da-aliança, arco-da-chuva, arco-de-deus, arco-da-velha. Simbolicamente, esta ponte imensa que liga a Terra ao Céu, por ser efêmera e de difícil visibilidade, representa algo mágico, maravilhoso, mas difícil de ser atingido.
Imagine um lugar em que crianças crescem-em-educação e, junto com as professoras, constróem pontes entre o real e o imaginário, mantendo vivas todas as cores do nome de amor – o amor de ler, o amor de ensinar/aprender (mantháno, como os gregos chamavam o movimento de ensinar e aprender). Ele lugar existe e persiste, impulsionado pelo sonho e pela ação de duas diretoras (Centro de Educação e Crescimento Arco-Íris, Vassouras, Estado do Rio de Janeiro).
Oxalá existam outros arco-íris como este espalhados pelos diferentes lugares do Brasil e do Mundo, e que as crianças possam crescer para a apetência de beleza.
Imagine um lugar em que crianças crescem-em-educação e, junto com as professoras, constróem pontes entre o real e o imaginário, mantendo vivas todas as cores do nome de amor – o amor de ler, o amor de ensinar/aprender (mantháno, como os gregos chamavam o movimento de ensinar e aprender). Ele lugar existe e persiste, impulsionado pelo sonho e pela ação de duas diretoras (Centro de Educação e Crescimento Arco-Íris, Vassouras, Estado do Rio de Janeiro).
Oxalá existam outros arco-íris como este espalhados pelos diferentes lugares do Brasil e do Mundo, e que as crianças possam crescer para a apetência de beleza.
sexta-feira, fevereiro 03, 2006
A leitura dos corpos
Aqui encontra-se imagens belíssimas da leitura, com um olhar semelhantes àquele que mostramos há tempos (On reading, de André Kértesz). As posições que o corpo encontra para se debruçar sobre um livro constituem um kamasutra mais erótico do que se possa imaginar. Quem duvida, deve ler O prazer do texto, de Roland Barthes.
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