A cada vez que vem passar uns dias com o pai, a menininha manifesta grande alegria ao reencontrar as suas coisinhas. Lá estão sempre à espera dela, cuidadosamente arrumados, os seus brinquedos, roupinhas, livros de histórias...
Mal chega, com um visível prazer, a menininha lança-se à redescoberta, correndo pelos aposentos. Avidamente, vai pegando e largando os brinquedos e outros trecos, como quem quer provar de tudo ao mesmo tempo. Logo logo a casa toda tem marcas da sua passagem. À noite, tudo volta ao lugar, para de manhã novamente ser posto em movimento...
De vez em quando, a pequenina lembra-se de pegar "as suas histórias". Traz todos os livros num braçado, derrama-os no chão, e distrai-se sentada a passar as páginas, de preferência bem perto dos adultos.
Um dia, a menininha encontrou na estante da sala uma caixa com álbuns de fotografias do pai. Um a um, começou a desfolhá-los, enquanto a família ia explicando quem estava nos retratos:
- Este é o seu papai quando era menino, com uniforme do colégio... Agora, é o vovô e a vovó na casa deles.... Aqui é a madrinha olhando emocionada para você, no dia em que você nasceu... Esta era a casa do papai quando vivia longe daqui...
Dali a pouco, a menininha volta a se interessar pelos brinquedos momentaneamente esquecidos. Novo intervalo, e novamente chega a vez da retomada dos livros. Desta vez, porém, a menininha incorporou à costumeira pilha alguns álbuns de retratos e começou a desfolhá-los. De repente, quem sabe devido ao formato dos álbuns ou graças talvez àquela sabedoria própria das crianças, foi dizendo, com jeito de quem sabe bem o que diz:
- Minhas histórias!
(Apetece dizer-lhe:
- Sim, pequenina! Estas "folhas" contam um pouco da história dos que te amam. Contam sobre a tua pré-história, quando ainda eras um sonho azulado... Contam também a tua história, desde o dia mágico em que abriste os olhos para o mundo e fizeste derramar lágrimas de alegria ... Sim, meu amor, estás certa, são mesmo as tuas histórias!)
Um blogue escrito por três pares de mãos separados por águas atlânticas. Uma viagem com escalas no Rio de Janeiro, em Londres e Senhora da Hora.
sexta-feira, novembro 23, 2007
quinta-feira, novembro 15, 2007
Coisas de pais e filhos 1
A filha desenvolveu maneiras muito especiais de lidar com a longa distância (geográfica) da mãe.
Uma delas foi criar este blog para juntas, em colaboração, enviarem e receberem "Notícias do cais". Ambas vão escrevendo, assim, uma espécie de "Diário de bordo", um diálogo tecido na presença-ausência, com notas de leituras, sentimentos, pensamentos...
A outra consiste em dar à mãe a sua pulseira de ouro branco a cada vez que se despedem "no cais", e dela recebê-la de volta, a cada vez que se reencontram. Ao dar início a esse rito de afeto, a filha disse:
- Leva contigo, mãe. Quando regressares, quero-a outra vez, carregada com a tua energia.
Uma delas foi criar este blog para juntas, em colaboração, enviarem e receberem "Notícias do cais". Ambas vão escrevendo, assim, uma espécie de "Diário de bordo", um diálogo tecido na presença-ausência, com notas de leituras, sentimentos, pensamentos...
A outra consiste em dar à mãe a sua pulseira de ouro branco a cada vez que se despedem "no cais", e dela recebê-la de volta, a cada vez que se reencontram. Ao dar início a esse rito de afeto, a filha disse:
- Leva contigo, mãe. Quando regressares, quero-a outra vez, carregada com a tua energia.
terça-feira, novembro 13, 2007
Coisas de criança 7
A menininha adora comer. Todos já sabem que não é preciso insistir com ela. Aprecia - e pede - comidas que já conhece, mas também gosta de experimentar novos sabores.
Independente, quer comer com a própria mão, de preferência sentada à mesa com os adultos. Observadora e esperta como ela só, aproveita a oportunidade para ampliar a variedade do seu cardápio, provando de tudo. E já está manifestando desejo de usar outro tipo de talher, como os demais: o garfo e a faca.
Quando está satisfeita, em geral costuma empurrar ligeiramente o seu pratinho para o lado, ou entregá-lo a algum adulto, dizendo:
- Já está.
Se por acaso sobra algum restinho (sobretudo de iogurte) e ela quer comer tudo até o fim, vira-se para o pai e pede:
- Rapa, papai.
Ou:
- Rapa vovó (ou vovô, ou madrinha...dependendo de quem estiver mais próximo).
Um dia, a menininha acordou meio diferente. Não deu a mínima quando lhe ofereceram a sua fruta irrecusável: banana. A papa da manhã teve que ser "rapada" desde o início... tudo muito estranho....Não queria nem brincar. Só queria ficar recostada no colinho do pai, quietinha, quitinha.
Pouco depois, a família encontrou a explicação para a repentina quietude e perda de apetite . Não, não era miminho: o termômetro acusava quase quarenta graus! Só mesmo estando muito doente a menininha deixaria de gostar de brincar... e de comer.
Independente, quer comer com a própria mão, de preferência sentada à mesa com os adultos. Observadora e esperta como ela só, aproveita a oportunidade para ampliar a variedade do seu cardápio, provando de tudo. E já está manifestando desejo de usar outro tipo de talher, como os demais: o garfo e a faca.
Quando está satisfeita, em geral costuma empurrar ligeiramente o seu pratinho para o lado, ou entregá-lo a algum adulto, dizendo:
- Já está.
Se por acaso sobra algum restinho (sobretudo de iogurte) e ela quer comer tudo até o fim, vira-se para o pai e pede:
- Rapa, papai.
Ou:
- Rapa vovó (ou vovô, ou madrinha...dependendo de quem estiver mais próximo).
Um dia, a menininha acordou meio diferente. Não deu a mínima quando lhe ofereceram a sua fruta irrecusável: banana. A papa da manhã teve que ser "rapada" desde o início... tudo muito estranho....Não queria nem brincar. Só queria ficar recostada no colinho do pai, quietinha, quitinha.
Pouco depois, a família encontrou a explicação para a repentina quietude e perda de apetite . Não, não era miminho: o termômetro acusava quase quarenta graus! Só mesmo estando muito doente a menininha deixaria de gostar de brincar... e de comer.
quinta-feira, novembro 08, 2007
Coisas de criança 6
Sabendo que em breve ficaria muitos meses sem ver a menininha, a avó decidiu escrever uma das canções que começou a ensinar a ela: a canção do coelhinho, trazida do seu tempo de educadora infantil. Tirou uma folha da agenda e, diante da menininha, foi cantando pausadamente, à medida que escrevia os versos :
- De olhos vermelhos/ de pêlo branquinho/ de pulo bem leve/ eu sou coelhinho...
A menina acompanhou atenta o canto-escrita da avó. No final, a avó desenhou um coelhinho, deu um beijo com marca de batom na folha e disse para a menina:
- Olha, bebê, vou dar este papel para a sua madrinha, assim ela canta com você, quando a vovó for embora.
A meninha pareceu gostar da idéia, sobretudo do carimbo colorido. Pegava a folha e dizia:
- Mais, vovó!
A avó repetiu o beijo...
- Mais, vovó!
Ela repetiu muitas vezes, até o carimbo ficar clarinho, clarinho, quase sem cor...
De tarde, já quase no final do encontro, foram passear no parque. De repente, a menina viu um grafite num banco e disse:
- Coelho.
Naquele momento, ninguém compreendeu bem o que a menina quis dizer. Só muito depois, a avó conseguiu encontrar, emocionada, uma possível explicação: talvez a menina tenha associado aquelas garatujas rabiscadas pelo anônimo grafiteiro com as letras que a avó escrevera enquanto cantava a canção do coelhinho...
O beijo ficara para sempre marcado!
- De olhos vermelhos/ de pêlo branquinho/ de pulo bem leve/ eu sou coelhinho...
A menina acompanhou atenta o canto-escrita da avó. No final, a avó desenhou um coelhinho, deu um beijo com marca de batom na folha e disse para a menina:
- Olha, bebê, vou dar este papel para a sua madrinha, assim ela canta com você, quando a vovó for embora.
A meninha pareceu gostar da idéia, sobretudo do carimbo colorido. Pegava a folha e dizia:
- Mais, vovó!
A avó repetiu o beijo...
- Mais, vovó!
Ela repetiu muitas vezes, até o carimbo ficar clarinho, clarinho, quase sem cor...
De tarde, já quase no final do encontro, foram passear no parque. De repente, a menina viu um grafite num banco e disse:
- Coelho.
Naquele momento, ninguém compreendeu bem o que a menina quis dizer. Só muito depois, a avó conseguiu encontrar, emocionada, uma possível explicação: talvez a menina tenha associado aquelas garatujas rabiscadas pelo anônimo grafiteiro com as letras que a avó escrevera enquanto cantava a canção do coelhinho...
O beijo ficara para sempre marcado!
terça-feira, novembro 06, 2007
Coisas de criança 5
Banana é com certeza a fruta de que a menininha mais gosta. Quando alguém lhe oferece a fruta, seus olhos se acendem, antes mesmo da boca soltar um entusiasmado SIM!
Nas primeiras férias que passou no campo, ela logo descobriu que coelhinhos comem folhagem e que também apreciam frutas, ou mais propriamente, as cascas (talvez gostem também das frutas... mas as pessoas só lhes oferecem as cascas...).
Assim que acabava de comer peras e, sobretudo, bananas , acostumou-se a entregar a casca a avó:
- Toma, vovó. É pro coelho!
A menina retornou à cidade. Meses se passaram. Ela jamais se esqueceu, no entanto, do que aprendera nas férias. Também a avó jamais se esqueceu de levar para a menina a fruta de que ela mais gostava. Assim, quando as duas se reencontravam, a avó, com um sorriso cúmplice, sempre lhe oferecia a fruta preferida. Sentada na cadeirinha do carro, a caminho de casa, a menina entretinha-se com o lanche saudável. Ao acabar, ignorando distâncias e impossibilidades, fazia questão de devolver a casca e o sorriso cúmplice à avó, entoando, com um jeitinho musical, a conhecida expressão:
- Toma, vovó. É pro coelho!
Sem saber bem como fazer chegar a casca até o coelhinho, a avó punha-se a conjecturar a possibilidade de, no convívio com outras pessoas, a menininha também lhes entregar cascas para que alimentassem os coelhinhos. E riu-se, imaginando-lhes a cara de espanto.
Nas primeiras férias que passou no campo, ela logo descobriu que coelhinhos comem folhagem e que também apreciam frutas, ou mais propriamente, as cascas (talvez gostem também das frutas... mas as pessoas só lhes oferecem as cascas...).
Assim que acabava de comer peras e, sobretudo, bananas , acostumou-se a entregar a casca a avó:
- Toma, vovó. É pro coelho!
A menina retornou à cidade. Meses se passaram. Ela jamais se esqueceu, no entanto, do que aprendera nas férias. Também a avó jamais se esqueceu de levar para a menina a fruta de que ela mais gostava. Assim, quando as duas se reencontravam, a avó, com um sorriso cúmplice, sempre lhe oferecia a fruta preferida. Sentada na cadeirinha do carro, a caminho de casa, a menina entretinha-se com o lanche saudável. Ao acabar, ignorando distâncias e impossibilidades, fazia questão de devolver a casca e o sorriso cúmplice à avó, entoando, com um jeitinho musical, a conhecida expressão:
- Toma, vovó. É pro coelho!
Sem saber bem como fazer chegar a casca até o coelhinho, a avó punha-se a conjecturar a possibilidade de, no convívio com outras pessoas, a menininha também lhes entregar cascas para que alimentassem os coelhinhos. E riu-se, imaginando-lhes a cara de espanto.
domingo, novembro 04, 2007
Coisas de criança 4
Foram as primeiras férias da menininha no campo. Nunca tinha convivido com coelhos, galinhas e cabritinhos de verdade. Só conhecia esses bichinhos dos livros.
A princípio, o medo era maior que o fascínio. Estacava diante do galinheiro, agarrada às pernas dos avós. Mas não desistia, e ficava a contemplar galos e galinhas durante muito tempo.
Logo depois, já puxava pela mão quem se dispusesse a ir com ela até lá. A menininha não se cansava nunca.Todos sabiam que isto significava aceitar brincar de estátua. A imobilidade só era interrompida pelos gritinhos extasiados que a menininha soltava, quando ouvia Co-co-ri-cós.
Mais algumas idas (poucas) e já dispensava a mão protetora. Segura de si, ela mesma queria dar folhas de couve às galinhas. Foi preciso encontrar uma maneira de, sem refrear-lhe a crescente autoconfiança, explicar-lhe os cuidados a observar para não levar bicadas -possibilidade que, naturalmente, a menininha ainda desconhecia.
Ao contrário das previsões dos adultos, de início não ligou muito para os coelhos. Parecia até aquela personagem da Clarice Lispector, apaixonada por galinhas. Então a avó resolveu tirar um coelhinho da toca para que ela o apreciasse de perto. Segurou-o delicadamente pelas orelhas, colocou-o no chão e deixou-a conviver com aquele bichinho de pêlo fofo e focinho trêmulo.
A menina gostou da experiência. Fez questão de ela mesma dar ao coelhinho folhas de couve. Segurava o caule firmemente, enquanto o animalzinho ia roendo, roendo... Ainda sem muita intimidade com ele, depressa encontrou um jeito de acariciá-lo: sem soltar a mão da avó, debruçava-se para vê-lo melhor e, com a outra mãozinha, conduzia a mão da avó até o interior da toca, fazendo gestos para que a avó o afagasse. Tocava-o, assim, através do corpo e do afeto de alguém em quem confiava.
A partir de então, a menininha passou a dividir o tempo da contemplação entre os seus dois novos amores.
A princípio, o medo era maior que o fascínio. Estacava diante do galinheiro, agarrada às pernas dos avós. Mas não desistia, e ficava a contemplar galos e galinhas durante muito tempo.
Logo depois, já puxava pela mão quem se dispusesse a ir com ela até lá. A menininha não se cansava nunca.Todos sabiam que isto significava aceitar brincar de estátua. A imobilidade só era interrompida pelos gritinhos extasiados que a menininha soltava, quando ouvia Co-co-ri-cós.
Mais algumas idas (poucas) e já dispensava a mão protetora. Segura de si, ela mesma queria dar folhas de couve às galinhas. Foi preciso encontrar uma maneira de, sem refrear-lhe a crescente autoconfiança, explicar-lhe os cuidados a observar para não levar bicadas -possibilidade que, naturalmente, a menininha ainda desconhecia.
Ao contrário das previsões dos adultos, de início não ligou muito para os coelhos. Parecia até aquela personagem da Clarice Lispector, apaixonada por galinhas. Então a avó resolveu tirar um coelhinho da toca para que ela o apreciasse de perto. Segurou-o delicadamente pelas orelhas, colocou-o no chão e deixou-a conviver com aquele bichinho de pêlo fofo e focinho trêmulo.
A menina gostou da experiência. Fez questão de ela mesma dar ao coelhinho folhas de couve. Segurava o caule firmemente, enquanto o animalzinho ia roendo, roendo... Ainda sem muita intimidade com ele, depressa encontrou um jeito de acariciá-lo: sem soltar a mão da avó, debruçava-se para vê-lo melhor e, com a outra mãozinha, conduzia a mão da avó até o interior da toca, fazendo gestos para que a avó o afagasse. Tocava-o, assim, através do corpo e do afeto de alguém em quem confiava.
A partir de então, a menininha passou a dividir o tempo da contemplação entre os seus dois novos amores.
sábado, novembro 03, 2007
Coisas de criança 3
Aquele dia foi um dia especial, repleto de mil e uma brincadeiras, com intenso convívio familiar, sobretudo na na sala e na cozinha. Cansados, felizes e sonolentos, os avós encaminharam-se para o quarto e começaram a dar boa-noite a todos, um por um, entatizando com estrelinhas nos olhos o BOA-NOITE dado à pequena netinha.
Atenta a tudo, a menininha respondeu:
- Boa-noite, vovô!
- Boa-noite, vovó!
De repente, virou-se de costas, deu uns passinhos em direção ao hall, e também com estrelinhas nos olhos, exclamou para um dos aposentos:
- Boa-noite, cozinha!
(Querida criança, apetece-me dizer-te este pensamento:
-Sim: aos teus olhos, as coisas também tem anima, claro. E quando há amor, os deuses lares mantém acesa a chama das lareiras-fogões, onde se preparam os alimentos que reconfortam o corpo e o espírito. Amanhã nos reuniremos outra vez no calor da cozinha, mesmo que não estejamos fisicamente juntos, pois o fulgor está contigo e conosco, aqui e aí.)
Atenta a tudo, a menininha respondeu:
- Boa-noite, vovô!
- Boa-noite, vovó!
De repente, virou-se de costas, deu uns passinhos em direção ao hall, e também com estrelinhas nos olhos, exclamou para um dos aposentos:
- Boa-noite, cozinha!
(Querida criança, apetece-me dizer-te este pensamento:
-Sim: aos teus olhos, as coisas também tem anima, claro. E quando há amor, os deuses lares mantém acesa a chama das lareiras-fogões, onde se preparam os alimentos que reconfortam o corpo e o espírito. Amanhã nos reuniremos outra vez no calor da cozinha, mesmo que não estejamos fisicamente juntos, pois o fulgor está contigo e conosco, aqui e aí.)
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