quarta-feira, abril 22, 2009

Escrita, morte, heterodoxia e culpabilidade

"Heterodoxia I foi bem menos a espécie de desafio que a mim mesmo me lançava imaginando desafiar os outros, do que uma ruptura dolorosa e de certo modo, uma fuga (...). mais decisivo para mim, foi descobrir, há pouco, que esse primeiro livro de ruptura com toda uma tradição e uma sensibilidade familiares era já, como o serão todos os outros, um livro póstumo (....) sem que então tivesse plena consciência disso, a minha escrita aparece à nascença marcad[a] por um imenso sentimento de culpabilidade e remorso." (Eduardo Lourenço, "Escrita e Morte", prefácio de Heterodoxia I e II, 1987)

"quando descobrimos que já não vivemos de uma maneira uníssona com as pessoas que mais amamos e respeitamos isso gera um sentimento de culpa, algo que me acompanhou sempre, até porque meus pais morreram cedo" (Eduardo Lourenço in 25 Portugueses, 1999)

sábado, abril 18, 2009

As mãos e os frutos

Nasci de ti, um dia, 50 %, por um acaso de gens.
Nasci de ti novamente, 100 %, quando te afirmei no meu coração.
Continuo a nascer de ti, através dos meus filhos.
Através deles, nasces outra vez.
Meus frutos são teus frutos.
100% teus. E não só 25%, por um acaso de gens.
Escrevem-te. Escrevem-se. Escrevem-me.
Entre mãos dadas e recebidas.

Bem-aventurado aquele que tanto e tão bem soube fazer-se amar.

(a meu pai, que hoje faria 84 anos)

sexta-feira, abril 17, 2009

As mãos do meu avô (que faria hoje 84 anos)

"As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah. Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura as tuas mãos nodosas...
essa chama de vida
que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma."

"As mãos do meu pai", de Mario Quintana