Um blogue escrito por três pares de mãos separados por águas atlânticas. Uma viagem com escalas no Rio de Janeiro, em Londres e Senhora da Hora.
sábado, dezembro 24, 2005
Um Natal cubano
Cuba é o país que nos ensina a conservar aquilo que temos. Um sabonete que derrete na curva da banheira. Um carro que, apesar da idade, cumpre as suas funções sem dar grandes razões de queixa. Ou, pelo menos, um território cujo povo nos leva a valorizar a abundância em que vivemos. O amplo espaço de respiração de que gozam os jornalistas europeus. Os incontáveis livros que temos nas estantes de livrarias e bibliotecas. Todos ao alcance das mãos. Sem restrições.
Vejo as árvores de Natal que se proliferam pelo Rio de Janeiro e não consigo deixar de imaginar como será a consoada cubana. Nem sai da minha memória a alegria de um povo que, com quase nada, e um esparadrapo invisível sobre os lábios, deseja "buena suerte" aos estrangeiros que cruzam o seu caminho.
quarta-feira, dezembro 07, 2005
A força da gravidade é... fraca!
Leio uma entrevista da físca norte-americana Lisa Randall à Folha de São Paulo e fico espantada diante da seguinte afirmação: "Baseado no poder das outras forças, como a electromagnética ou as forças atómicas, era de se esperar que a gravidade fosse mais forte." Parece estranho, mas faz todo o sentido. Com um pequeno imã, conseguimos atrair um gancho de cabelo, um movimento que contraria a força gravitacional de um planeta inteiro. "É um grande mistério porque as diferentes forças têm intensidades tão diferentes!", comenta Randall, uma cientista que se parece com Jodie Foster e acaba de lançar o livro "Warped Passages" (ainda sem tradução prevista para Portugal ou Brasil).
domingo, dezembro 04, 2005
O poder dos livros
"Esta capacidade que um livro possui de estabelecer as suas próprias relações, de conquistar pessoas de idades improváveis e de fazer a escolha do seu próprio caminho, é para mim uma coisa fascinante. Como ser vivo, ele nasce, cresce e parte. Como podia eu servir-me dele para fazer passar uma mensagem, ainda que fosse pedagógica? Não, um livro não é pombo-correio, não tem de levar nada na anilha. Não há, aliás, que pôr qualquer anilha. A sua natureza de nobre não admite que se lhe adscrevam missões. Não nutro a intenção de ensinar nada, a não ser que se chame ensinar a dar a mão e a fazer perder o medo para o voo."
Hélia Correia em entrevista a Maria João Cantinho, publicada na revista on line Storm
Hélia Correia em entrevista a Maria João Cantinho, publicada na revista on line Storm
segunda-feira, novembro 28, 2005
A vida íntima das gavetas
Arrumo velhos papéis esquecidos em pastas e gavetas.
Lixo ou armário? Por vezes hesito.
Formo duas pilhas, que deveriam ser três:
a dos papéis que vale a pena guardar (bem maior... tenho dificuldade de me desfazer das coisas);
a dos que definitivamente não prestam;
a dos que ainda – quem sabe? – podem servir um dia...
Há anotações, nomes, telefones, fragmentos de idéias de que já não lembrava.
Algumas detêm o tempo e a tarefa, desviando-me para uma viagem da
memória. Outrora agora.
Lixo ou armário? Por vezes hesito.
Formo duas pilhas, que deveriam ser três:
a dos papéis que vale a pena guardar (bem maior... tenho dificuldade de me desfazer das coisas);
a dos que definitivamente não prestam;
a dos que ainda – quem sabe? – podem servir um dia...
Há anotações, nomes, telefones, fragmentos de idéias de que já não lembrava.
Algumas detêm o tempo e a tarefa, desviando-me para uma viagem da
memória. Outrora agora.
quarta-feira, novembro 23, 2005
Sempre aos domingos
Todas as manhãs ensolaradas de domingo lá está ele, na esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Siqueira Campos. Deve chegar cedo (de onde virá?) para armar a sua barraquinha musical. Sem grande alarde, de pé ou sentado num banquinho, põe para tocar antigos sucessos. Um pequeno cartaz com uma reprodução do seu rosto ainda jovem, provavelmente a mesma que serviu de capa a um LP, anuncia que é ele o dono da voz.
No cruzamento, a cada sinal que abre e fecha, uma pequena multidão passa indiferente pelo simpático cantor e segue na direção da praia. Muitos deles são caminhantes do calçadão ou fregueses da feira da Praça Serzedelo Correia. De vez em quando alguns transeuntes param. São em geral casais de meia-idade ou já idosos, atraídos talvez pela canção que foi trilha sonora de um momento especial de suas vidas. E entre o cantor e seus fãs logo se inicia uma conversa animada. De pares que se reencontram e gostam de relembrar "aquele" tempo. Um tempo que desconhecia DVDs, mega shows e celebridades espontâneas.
A falta de sucesso midiático e a ausência da mão esquerda, só perceptível quando se afasta um pouco da sua banquinha, não conseguiram tirar-lhe o sorriso. Seu semblante e seus gestos são evidências de que possui em alta dose aquele dom ou talento que dizem que o brasileiro tem de insistir, persistir, resistir.
O hoje quase anônimo cantor de outrora não será matéria de pauta de nenhum noticiário ou suplemento de jornal. Nem de fantásticos programas televisivos. Mas no próximo domingo decerto estará na mesma esquina, espalhando a todos os passantes, atentos ou distraídos, o seu pequeno brilho não fugaz.
Conforta esta rara certeza em época de tantas incertezas. Apetece-me dizer-lhe timidamente que ele faz parte do meu show. Sempre aos domingos. Sempre que houver bom tempo. Oxalá que aos domingos nunca chova.
No cruzamento, a cada sinal que abre e fecha, uma pequena multidão passa indiferente pelo simpático cantor e segue na direção da praia. Muitos deles são caminhantes do calçadão ou fregueses da feira da Praça Serzedelo Correia. De vez em quando alguns transeuntes param. São em geral casais de meia-idade ou já idosos, atraídos talvez pela canção que foi trilha sonora de um momento especial de suas vidas. E entre o cantor e seus fãs logo se inicia uma conversa animada. De pares que se reencontram e gostam de relembrar "aquele" tempo. Um tempo que desconhecia DVDs, mega shows e celebridades espontâneas.
A falta de sucesso midiático e a ausência da mão esquerda, só perceptível quando se afasta um pouco da sua banquinha, não conseguiram tirar-lhe o sorriso. Seu semblante e seus gestos são evidências de que possui em alta dose aquele dom ou talento que dizem que o brasileiro tem de insistir, persistir, resistir.
O hoje quase anônimo cantor de outrora não será matéria de pauta de nenhum noticiário ou suplemento de jornal. Nem de fantásticos programas televisivos. Mas no próximo domingo decerto estará na mesma esquina, espalhando a todos os passantes, atentos ou distraídos, o seu pequeno brilho não fugaz.
Conforta esta rara certeza em época de tantas incertezas. Apetece-me dizer-lhe timidamente que ele faz parte do meu show. Sempre aos domingos. Sempre que houver bom tempo. Oxalá que aos domingos nunca chova.
segunda-feira, novembro 14, 2005
Encontrar a linha que há dentro de nós
Num texto de Helen Barlow sobre o cineasta japonês Miyazaki, publicado no passado dia 16 de Outubro na Pública, li uma frase que me intrigou:
"Um lápis não é só para fazer uma linha. É como procurar e encontrar a linha que existe dentro de nós. Mas agora há poucos animadores que tragam para o exterior o subconsciente que existe dentro deles. Os jovens animadores viram demasiada realidade virtual e sucumbiram-lhe. Por isso o meu tipo de animação é uma indústria muito antiquada"
Não defendo o retorno ao passado, nem sou uma entusiasta enlouquecida das novas tecnologias. Mas é impossível não admirar a beleza do modo como pensa o autor de O Castelo Andante. Recordo-me de ter ouvido uma grande amiga, recentemente, dizer algo semelhante: as famílias nunca estiveram tão apetrechadas com telemóveis, câmaras, computadores e outros dispositivos tecnológicos e, ao mesmo tempo, as famílias nunca se comunicaram tão pouco.
"Um lápis não é só para fazer uma linha. É como procurar e encontrar a linha que existe dentro de nós. Mas agora há poucos animadores que tragam para o exterior o subconsciente que existe dentro deles. Os jovens animadores viram demasiada realidade virtual e sucumbiram-lhe. Por isso o meu tipo de animação é uma indústria muito antiquada"
Não defendo o retorno ao passado, nem sou uma entusiasta enlouquecida das novas tecnologias. Mas é impossível não admirar a beleza do modo como pensa o autor de O Castelo Andante. Recordo-me de ter ouvido uma grande amiga, recentemente, dizer algo semelhante: as famílias nunca estiveram tão apetrechadas com telemóveis, câmaras, computadores e outros dispositivos tecnológicos e, ao mesmo tempo, as famílias nunca se comunicaram tão pouco.
domingo, novembro 13, 2005
Message in a bottle
Quando este cais nasceu, havia no seu nome um desejo muito claro de troca transatlântica. Porque a identidade de alguém com o meu percurso é sempre muito diluída, não se é nem brasileira nem portuguesa. Uma espécie de ser que prefere habitar o tal espaço "entre", águas internacionais, um Atlântico que não pertence a ninguém porque é de todos. E, como tal, uma zona que tudo pode acolher.
Porque, como diz MB, cais é uma palavra inaudita - suscita ao mesmo tempo a ideia de encontro e partida, movimento e paragem, saudade e alegria. Hoje, lendo as "notícias" que a Tuki tem delicadamente depositado em garrafas que bóiam em água salgada, percebo que sozinha nunca teria alcançado o meu objectivo inicial. E talvez por isso mesmo este espaço tenha andado tão moribundo até à sua chegada.
Como é bom ler aqui pensamentos engendrados abaixo da linha do Equador, escritos numa grafia tropical que só torna a língua portuguesa mais rica. Como é bom amar profundamente alguém que vem à enseada com um texto tatuado na palma das mãos, que pousa os dedos sobre a fina vaga que já é quase só espuma na areia, com extremo desvelo, para que nenhuma notícia perca a rota da Europa.
Porque, como diz MB, cais é uma palavra inaudita - suscita ao mesmo tempo a ideia de encontro e partida, movimento e paragem, saudade e alegria. Hoje, lendo as "notícias" que a Tuki tem delicadamente depositado em garrafas que bóiam em água salgada, percebo que sozinha nunca teria alcançado o meu objectivo inicial. E talvez por isso mesmo este espaço tenha andado tão moribundo até à sua chegada.
Como é bom ler aqui pensamentos engendrados abaixo da linha do Equador, escritos numa grafia tropical que só torna a língua portuguesa mais rica. Como é bom amar profundamente alguém que vem à enseada com um texto tatuado na palma das mãos, que pousa os dedos sobre a fina vaga que já é quase só espuma na areia, com extremo desvelo, para que nenhuma notícia perca a rota da Europa.
quinta-feira, novembro 10, 2005
O rio de que somos feitos
Fernando Pessoa, no poema Além-Deus, lançou esta meditação poética: "O que é ser-rio, e correr?". E Maria Gabriela Llansol, em Finita. Diário 2, escreveu: "Em mim várias nascentes confluíram".
Somos rios formados pela confluência de várias nascentes – os nossos ascendentes, pais, avós, bisavós... Água em curso. Ponto de confluência de águas e origem de novas correntes. Corremos em direção à foz, sem saber quando a encontraremos. Tememos esse encontro por várias razões. Porque sentimo-nos atraídos pelas paisagens que atravessamos pelo caminho e não queremos deixar de ver aquilo e, sobretudo, aqueles que amamos. Porque temos medo do desconhecido. Porque, ao encontrá-la, dissolvemo-nos no grande mar, pois a água que somos mistura-se à de outras correntes e incorpora-se ao grande caudal do indiferenciado. Porque...
Somos rios formados pela confluência de várias nascentes – os nossos ascendentes, pais, avós, bisavós... Água em curso. Ponto de confluência de águas e origem de novas correntes. Corremos em direção à foz, sem saber quando a encontraremos. Tememos esse encontro por várias razões. Porque sentimo-nos atraídos pelas paisagens que atravessamos pelo caminho e não queremos deixar de ver aquilo e, sobretudo, aqueles que amamos. Porque temos medo do desconhecido. Porque, ao encontrá-la, dissolvemo-nos no grande mar, pois a água que somos mistura-se à de outras correntes e incorpora-se ao grande caudal do indiferenciado. Porque...
quarta-feira, novembro 09, 2005
A leitura trazida de casa
O poeta e cronista Paulo Mendes Campos aprendeu a ler com a mãe, por ele homenageada numa crônica que recebeu o seu nome, Maria José. Ela contava-lhe histórias de santos, como a dos dois Franciscos, o de Sales e o de Pádua, e iniciou-o nos caminhos da literatura:
"apresentou-me aos contos de Edgar Poe e aos poemas de Baudelaire; dizia-me sorrindo versos de Antonio Nobre que decorara menina; discutia comigo as idéias finais de Tolstoi; escutava maternalmente meus contos toscos. Quando me desgarrei nos primeiros enleios adolescentes, Maria José com irônico afeto me repetia a advertência de Drummond: "Paulo, sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será."
Otto Lara Resende, ao evocar o amigo Paulo Mendes Campos, refere-se a essa iniciação literária propiciada por um ambiente familiar em que se "respirava a liberdade da poesia":
"Paulo se iniciou nos poetas por sua própria mãe. Seu pai, Mário Mendes Campos, médico e letrado, pertencia à Academia Mineira. Conhecia e adivinhava literatura hispano-americana. Quem, senão o pai do Paulo, poderia nos dar a notícia de um poeta chamado Vicente Huidobro? A família Mendes Campos respirava a liberdade da poesia"
"apresentou-me aos contos de Edgar Poe e aos poemas de Baudelaire; dizia-me sorrindo versos de Antonio Nobre que decorara menina; discutia comigo as idéias finais de Tolstoi; escutava maternalmente meus contos toscos. Quando me desgarrei nos primeiros enleios adolescentes, Maria José com irônico afeto me repetia a advertência de Drummond: "Paulo, sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será."
Otto Lara Resende, ao evocar o amigo Paulo Mendes Campos, refere-se a essa iniciação literária propiciada por um ambiente familiar em que se "respirava a liberdade da poesia":
"Paulo se iniciou nos poetas por sua própria mãe. Seu pai, Mário Mendes Campos, médico e letrado, pertencia à Academia Mineira. Conhecia e adivinhava literatura hispano-americana. Quem, senão o pai do Paulo, poderia nos dar a notícia de um poeta chamado Vicente Huidobro? A família Mendes Campos respirava a liberdade da poesia"
segunda-feira, novembro 07, 2005
A felicidade é feita de coisas pequenas
O psiquiatra e psicoterapeuta Roberto Shinyashiki, autor do livro Heróis de verdade, numa entrevista concedida à revista Isto É, em outubro de 2005, observou que a supervalorização da aparência e a falta de competência imperam na nossa sociedade: ‘hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o grande objetivo de vida se tornou o parecer’; ‘o mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal’. Segundo a referida matéria, ‘nas entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que imaginam que precisa ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não compartilha com a síndrome de super-heróis’. Inspirado nos versos do poeta português, Shinyashik defende que é preciso uma mudança de atitude: ‘O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras’. Da sua experiência de conversar com doentes terminais, quando era recém-formado, extraiu uma lição: ‘ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado dinheiro em imóveis’. Com eles aprendeu que a felicidade é feita de coisas pequenas, como apreciar a beleza e saborear um morango.
domingo, novembro 06, 2005
O monstro da indiferença
Pesquisando sobre Fernando Sabino e seus três amigos inseparáveis - Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino - , encontrei este belo trecho de Otto, extraido de Vista Cansada, sobre o poeta e a criança:
'Uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher. Isso exige às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos.
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.'
Formulo um desejo, após leitura deste texto: que a minha vista nunca fique cansada diante do espetáculo do mundo. Que no meu coração nunca se instale o monstro da indiferença.
'Uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher. Isso exige às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos.
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.'
Formulo um desejo, após leitura deste texto: que a minha vista nunca fique cansada diante do espetáculo do mundo. Que no meu coração nunca se instale o monstro da indiferença.
sábado, novembro 05, 2005
Como conhecer o ser amado?
'Só podemos amar aquilo que conhecemos'. Esta frase, pronunciada de forma afirmativa e definitiva por um entrevistado num programa de TV, causou-me inquietação. Penso que, ao emiti-la, o seu autor pensou em convivência ou em algo semelhante. Ponho-me a divagar, enquanto arrumo papéis. De início, experimento invertê-la: 'Só podemos conhecer aquilo que amamos', o que excluiria do conhecimento os que nos provocam outros sentimentos. Depois, retiro-lhe o ponto final e acrescento-lhe um de interrogação: 'Só podemos amar aquilo que conhecemos?'. Em seguida, lanço novas perguntas: 'É possível conhecer, de fato, alguém – amado ou não?' O debate íntimo ainda continua.
sexta-feira, novembro 04, 2005
A leitura a quatro mãos
Zapeando a TV, parei num canal que transmitia o final de uma entrevista com Ângela Lago, excelente ilustradora de Literatura Infantil. Ela comentava sobre o fato de seus livros (os livros de literatura infantil de um modo geral) serem lidos a quatro mãos, pela criança e pelos pais. Solicitada a dar uma mensagem para os pais, ofereceu-lhes esta mensagem-desejo: que ele tenham a coragem da alegria, no meio das dificuldades da vida.
Como mãe, gostaria de ter tido essa coragem sempre. Intimamente desejei que isso pudesse ser ouvido por todos os pais, especialmente os que estão se preparando a viver ou começando a viver esta experiência magnífica. E desejei também que todos os bons livros infantis pudessem de fato ser lidos, sempre que possível, a quatro mãos, propiciando aquele aconchego prazeroso de que falou Daniel Pennac, em Como um romance.
Como mãe, gostaria de ter tido essa coragem sempre. Intimamente desejei que isso pudesse ser ouvido por todos os pais, especialmente os que estão se preparando a viver ou começando a viver esta experiência magnífica. E desejei também que todos os bons livros infantis pudessem de fato ser lidos, sempre que possível, a quatro mãos, propiciando aquele aconchego prazeroso de que falou Daniel Pennac, em Como um romance.
quinta-feira, novembro 03, 2005
Rescaldo dos fogos de Verão
Telhe. Arouca. Quilômetros de montes queimados. Aqui e ali, algumas casas milagrosamente intocadas pelas chamas. Imagino o pavor da população, a correr pela estrada, só com a roupa do corpo. E o difícil regresso, após o rescaldo, em meio às cinzas e perdas. Desolação. Pequenos tufos verdes de fetos e ramos de eucaliptos, no entanto, teimosamente começam a brotar, rompendo a monotonia da paisagem calcinada.
quarta-feira, novembro 02, 2005
Amor, palavra e morte
Hoje é mundialmente o dia dos mortos. Dia de reafirmarmos o nosso amor pelos nossos entes queridos que já partiram com uma flor, um pensamento, uma olhada saudosa nos retratos...
Pessoalmente, sinto que há sempre uma defasagem de afeto, a sensação de que nunca dissemos clara e suficientemente o quanto os amávamos. Fica esse travo do irremediavelmente não-dito ou não dito o bastante.
Mas há uma aprendizagem que podemos tirar dessa experiência: manifestar de alguma maneira aos que ainda estão conosco, todos os dias ou sempre que possível, o quanto nós os amamos.
Pessoalmente, sinto que há sempre uma defasagem de afeto, a sensação de que nunca dissemos clara e suficientemente o quanto os amávamos. Fica esse travo do irremediavelmente não-dito ou não dito o bastante.
Mas há uma aprendizagem que podemos tirar dessa experiência: manifestar de alguma maneira aos que ainda estão conosco, todos os dias ou sempre que possível, o quanto nós os amamos.
Bem-te-vi 2
Menos de 48 horas depois de ter ser considerado o "herdeiro natural" de Bem-te-vi, traficante recentemente morto na favela da Rocinha, há notícias de que o seu cunhado, o Soul, juntamente com outros, foi morto numa troca de tiros, devido à disputa entre facções rivais pelo controle do tráfico nesse local. No entanto, até o momento, o corpo do ex-sucessor "natural" e o dos demais ainda não foi encontrado. Mas algumas valiosas jóias que pertenceram a Bem-te-vi já foram localizadas: estavam em poder de Veridiana, uma das namoradas de Bem-te-vi, presa no Aeroporto Tom Jobim, prestes a embarcar com destino a Ipu, a cerca de 200 Km de Fortaleza. Por ser apenas namorada e não parente em 1º grau ou cônjuge do traficante, a jovem não poderá beneficiar-se do perdão oficial da chamada escusa absolutória.
Como é do conhecimento geral, mas que sempre vale a pena reiterar, Bem-te-vi e seu ex-herdeiro são apenas a ponta visível de um imenso e poderoso iceberg, dificílimo de ser atingido.
Como é do conhecimento geral, mas que sempre vale a pena reiterar, Bem-te-vi e seu ex-herdeiro são apenas a ponta visível de um imenso e poderoso iceberg, dificílimo de ser atingido.
segunda-feira, outubro 31, 2005
Bem-te-vi
Bem-te-vi ainda era quase uma criança quando migrou com os pais do Sertão do Nordeste para o Rio de Janeiro. Da origem nordestina, conservou a devoção por Nossa Senhora de Santana - santa festejada em Julho, mês em ele nasceu -, e o assobio. A alcunha veio-lhe por saber assobiar para atrair passarinhos.
Até aqui, parece a história de um migrante comum. Não é. Dois anos depois de chegar ao Rio, o ex-lavrador Erismar, o Bem-te-vi, tornou-se um traficante de drogas. Com apenas 29 anos, já era o chefe do tráfico da favela da Rocinha e pai de duas filhas, uma de dois e outra de quatro anos. Ao pescoço, três cordões de ouro assinalavam os seus maiores afetos: dois com os nomes das filhas e um com um cifrão. O poder e o dinheiro visíveis na sua outra predileção: armas personalizadas. Seu fusil Sig –Sauer calibre 7,62 - era de ouro maciço. Por sua vez, o seu "grupamento especial", conhecido como "Bonde do Tesouro" ou "Bonde de Ouro", também ostentava jóias (a esta altura, como não pensar em Lampião e seu bando?).
Ao ser morto pela Polícia, tinha os cabelos pintados, portava duas armas douradas e usava um bracelete de ouro. Segundo noticiam os jornais, no seu enterro alguns moradores da favela questionaram o sumiço de cordões e braceletes. Ainda segundo o noticiário, Bem-te-vi deixou um "sucessor natural", seu cunhado, de 27 anos.
Esta é a triste história de Bem-te-vi (e de uma significativa parcela da população do Brasil). Onde começa o desvio? Como mudar este enredo?
Até aqui, parece a história de um migrante comum. Não é. Dois anos depois de chegar ao Rio, o ex-lavrador Erismar, o Bem-te-vi, tornou-se um traficante de drogas. Com apenas 29 anos, já era o chefe do tráfico da favela da Rocinha e pai de duas filhas, uma de dois e outra de quatro anos. Ao pescoço, três cordões de ouro assinalavam os seus maiores afetos: dois com os nomes das filhas e um com um cifrão. O poder e o dinheiro visíveis na sua outra predileção: armas personalizadas. Seu fusil Sig –Sauer calibre 7,62 - era de ouro maciço. Por sua vez, o seu "grupamento especial", conhecido como "Bonde do Tesouro" ou "Bonde de Ouro", também ostentava jóias (a esta altura, como não pensar em Lampião e seu bando?).
Ao ser morto pela Polícia, tinha os cabelos pintados, portava duas armas douradas e usava um bracelete de ouro. Segundo noticiam os jornais, no seu enterro alguns moradores da favela questionaram o sumiço de cordões e braceletes. Ainda segundo o noticiário, Bem-te-vi deixou um "sucessor natural", seu cunhado, de 27 anos.
Esta é a triste história de Bem-te-vi (e de uma significativa parcela da população do Brasil). Onde começa o desvio? Como mudar este enredo?
sexta-feira, outubro 28, 2005
Tuki em directo do Rio de Janeiro
Se porventura algum brasileiro, de nascimento ou de coração, tivesse adormecido ou ficado em coma logo após a vitória de Lula nas últimas eleições presidenciais, ao retornar à chamada vida real, por mais pessimista ou fantasista que fosse, decerto não poderia imaginar a situação atual do país. Nos mais representativos jornais e telejornais, as manchetes diárias não versam sobre a realização de nenhum dos principais pontos da campanha. Não se fala mais em combate à fome e menos ainda, é claro, sobre ações concretas e contínuas para combatê-la. CPIs da corrupção ocupam diariamente a primeira página. Acontecimentos extremamente significativos, como a dramática luta de dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra, em greve de fome contra a transposição do Rio São Francisco, iniciada em setembro de 2005 e interrompida com um acordo, não causaram uma repercussão midiática de idêntica proporção. Também não têm merecido a devida atenção da imprensa os indícios da possibilidade de não cumprimento do acordo por parte do governo. Será preciso, talvez, um jejum coletivo.
segunda-feira, outubro 10, 2005
Há quem saiba o que Margarida sabe lá
Os intelectuais odeiam a escritora portuguesa Margarida Rebelo Pinto e há quem diga que o ódio à autora de romances como "Sei Lá" é descabido, uma vez que os iluminados nunca se deram ao trabalho de ler os textos da senhora. Contudo, houve alguém com espírito de sacrifício. Podem espreitar aqui.
domingo, outubro 09, 2005
Deambulações nocturnas
"Foi também nessa época, depois de concluir o trabalho de destruição no jardim e ter arrumado a casa, que iniciei as minhas deambulações nocturnas por Londres como forma de escapar à tortura crescente que eram as insónias"
"Austerlitz", W.G. Sebald (Teorema, 2004, p.119)
sexta-feira, outubro 07, 2005
Promessa de campanha
Um amigo de Nova Iorque convenceu-me a deixar de ser preguiçosa. E a escrever com regularidade neste cais que anda mais abandonado do que vira-lata. Estamos à porta das eleições autárquicas em Portugal e, assim, não custa nada fazer mais uma promessinha. Regressei. E desta vez trago comigo a Tuki. Uma nova colaboradora. Esperem para ver.
A dor alemã que ficou por escrever
Quem pretende visitar a Alemanha, sobretudo Berlim e Hamburgo, pode encontrar nas obras de W.G.Sebald (1944 – 2001) preciosas notas para compreender o comportamento germânico após 1945. A ficção deste autor é muito subtil nas mensagens que encerra, mas guarda em si uma teoria sobre o registo da dor humana em tempos de guerra. No livro "Sobre la história natural de la destrucción" – tendo aqui em conta a edição espanhola, uma vez que estes quatro ensaios ainda não estão traduzidos para o português – encontramos uma enunciação clara dessa mesma teoria. Recuperando o conteúdo das suas conferências de Zurique, Sebald mostra como os alemães cobriram com um manto de amnésia as ruínas provocadas pelos ataques aéreos dos Aliados. Calcula-se que 131 cidades alemãs tenham sido bombardeadas, cerca de 600 mil civis morreram e outros 7,5 milhões ficaram sem casa.
Os registos da destruição praticamente não foram transpostos para a literatura. Quem visita hoje Berlim encontra réplicas perfeitas de monumentos transformados em pó durante a Segunda Guerra Mundial. Parece-nos uma espécie de simulacro, para que a vaga entre 1937 e 1945 possa ser soterrada e a vida prossiga seguindo a imprescindível ordem natural das coisas. Sebald não tem dúvidas de que a dor alemã ficou por escrever – mulheres que carregaram em malas os seus bebés carbonizados, por exemplo, ou cadáveres encolhidos nas ruas, a boiar sobre a sua própria gordura derretida –, nem de que os registos hoje disponíveis se devem em grande parte a observadores estrangeiros. Talvez porque a sociedade civil não estivesse preparada, numa situação pós-traumática, para inscrever na História o horror de uma devastação impulsionada pela própria liderança germânica. Ou porque não lhe parecesse lícito, face à incalculável brutalidade dos campos de concentração, dar voz à própria dor.
Sebald só chegou às livrarias portuguesas recentemente, com a obra "Austerlitz" (Teorema, 2004). É uma espécie de autobiografia romanceada de uma personagem de origem judia, a quem foi atribuído um nome substituto, Austerlitz – que é curiosamente o nome de uma gare em Paris, mas também uma palavra que soa aos nossos ouvidos estridente como Auschwitz. Austerlitz parece ser um homem sem passado ou pertença – daí a ideia de uma estação, um lugar de transição perpétua, um cais onde não se cria raízes. Através do narrador, que se encontra com esta misteriosa figura em Antuérpia e Londres, vamos conhecendo melhor um homem angustiado com a sua própria memória, num dilema incessante entre a sobrevivência e o dever de preservar a sua própria história.
"Sobre la história natural de la destrucción
Editora Anagrama
(Barcelona, 2003)
Preço: 12 euros
(Fugas, 2005)
Os registos da destruição praticamente não foram transpostos para a literatura. Quem visita hoje Berlim encontra réplicas perfeitas de monumentos transformados em pó durante a Segunda Guerra Mundial. Parece-nos uma espécie de simulacro, para que a vaga entre 1937 e 1945 possa ser soterrada e a vida prossiga seguindo a imprescindível ordem natural das coisas. Sebald não tem dúvidas de que a dor alemã ficou por escrever – mulheres que carregaram em malas os seus bebés carbonizados, por exemplo, ou cadáveres encolhidos nas ruas, a boiar sobre a sua própria gordura derretida –, nem de que os registos hoje disponíveis se devem em grande parte a observadores estrangeiros. Talvez porque a sociedade civil não estivesse preparada, numa situação pós-traumática, para inscrever na História o horror de uma devastação impulsionada pela própria liderança germânica. Ou porque não lhe parecesse lícito, face à incalculável brutalidade dos campos de concentração, dar voz à própria dor.
Sebald só chegou às livrarias portuguesas recentemente, com a obra "Austerlitz" (Teorema, 2004). É uma espécie de autobiografia romanceada de uma personagem de origem judia, a quem foi atribuído um nome substituto, Austerlitz – que é curiosamente o nome de uma gare em Paris, mas também uma palavra que soa aos nossos ouvidos estridente como Auschwitz. Austerlitz parece ser um homem sem passado ou pertença – daí a ideia de uma estação, um lugar de transição perpétua, um cais onde não se cria raízes. Através do narrador, que se encontra com esta misteriosa figura em Antuérpia e Londres, vamos conhecendo melhor um homem angustiado com a sua própria memória, num dilema incessante entre a sobrevivência e o dever de preservar a sua própria história.
"Sobre la história natural de la destrucción
Editora Anagrama
(Barcelona, 2003)
Preço: 12 euros
(Fugas, 2005)
domingo, julho 24, 2005
A leitura
Talvez não haja dias da nossa infância tão plenamente vividos como os que julgámos ter deixado de viver, os que passámos com um livro preferido.
Marcel Proust
Marcel Proust
domingo, julho 17, 2005
Má Educação
A ordinarice e a má educação só ofendem verdadeiramente os seus autores, não os seus destinatários."
MST (in PÚBLICO, 17/6/05)
MST (in PÚBLICO, 17/6/05)
sábado, maio 21, 2005
Da Letónia à Irlanda em busca de sonho
No início de Fevereiro de 2005, um homem troca a Letónia pela Irlanda. Não tem qualquer proposta de emprego ou contacto privilegiado no país de James Joyce. Chama-se Aleksandrs Aleksjevs e aparenta ter cerca de 60 anos. Na sua aldeia natal, o letão deixou a família e uma colecção de mais de 200 pássaros exóticos. Conhecemo-lo numa noite excepcionalmente fria, nas mesas de convívio do Hostel Isaac, no centro de Dublin. Está rodeado de jovens dos mais diferentes países, mas parece só. Toma pausadamente um chá fumegante e come torradas com geleia de morango (será só isso o seu jantar?). Olha-nos como se quisesse encetar uma conversa, mas, como descobriremos algum tempo mais tarde, fala inglês com muita dificuldade. Oferece-se para lavar a nossa louça. E põe à nossa frente fotos de pássaros. Primeiro, uma avestruz. Depois, um cisne preto australiano, uma pomba real... Sobejam gestos e imagens, escasseiam as palavras para responder com precisão às nossas perguntas. Sempre que necessário, recorre ao tradutor electrónico que, num passe de mágica, transforma os caracteres do cirílico em palavras inglesas. E assim vamos nos entendendo, partilhando a história da sua vida. Descobrimos que trabalhou ao longo de 30 anos no mar, a bordo de embarcações petrolíferas, mas que já não consegue laborar sobre as ondas. Correu mundo na companhia do fio azul que aparta o céu do oceano. Mas agora está "cansado". Quer realizar o seu sonho: dedicar-se às aves exóticas. A recente entrada de mais dez países – entre eles a Letónia – para o clube europeu garantiu-lhe um passaporte. Tem três meses para encontrar o emprego desejado e, assim, ganhar em euros. Já se passaram quinze dias. Até agora, nada. O zoológico da cidade não precisa de colaboradores. Criadores de aves ainda não deram resposta. Deixou-lhes o seu contacto telefónico. Aleksandrs não desiste. Faz-nos lembrar Walter Dias, a personagem trota-mundos de "O Vale da Paixão", romance de Lídia Jorge. Walter é não só um viajante incorrigível, mas também um homem apaixonado por aves. "Desenhava pássaros para os seus sobrinhos pequenos verem, através do planisfério, como eram a fauna e a flora do mundo que ele conhecia. Ele [...] Às vezes eram desenhos rápidos que ilustravam apenas as espécies e os lugares onde os pássaros viviam, mas outras vezes os desenhos dele animavam-se de intenções, e da expressão dos animais desprendiam-se sentimentos como se tivessem alma." Aleksandrs não desenha pássaros. Prefere alimentá-los, estudar os seus hábitos e fotografá-los. Nos dias subsequentes, vimo-lo a mostrar as mesmas imagens para outros hóspedes. Era como se enviasse uma mensagem numa garrafa, um pedido de socorro. Como se quisesse encontrar nas pessoas algum vestígio de pertença, arrancar dos seus rostos a confirmação de que a quimera é possível. Após a partida de Dublin, não mantivemos contacto com Aleksandrs. Mas preferimos acreditar que sim, que é possível, que neste preciso instante o telemóvel prateado estará a tocar.
domingo, abril 17, 2005
A beleza pode estar no insondável
"Onde não há jardins, as flores nascem de secreto investimento em formas improváveis."
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
segunda-feira, abril 04, 2005
Centro Português de Fotografia
Há uma foto perturbadora na nova exposição do Centro Português de Fotografia, inaugurada no passado dia 2 de Abril, no Porto. Chama-se "Desvanescendo" ("Fading Away", 1858, talvez a sua mais famosa imagem) e é de autoria do fotógrafo Henry Peach Robinson (1830-1901). Considerado um dos pioneiros da fotografia pictória e grande admirador das telas de Turner, Robinson consegue reunir numa única cena os delicados sentimentos provocados pela doença numa família. Uma rapariga padece de tuberculose e, à sua volta, os pais e a irmã desesperam. O pai volta costas, como se não quisesse aceitar a finitude humana. O céu está prestes a rebentar, um prenúncio de tempestade que não retira serenidade (nem pesar) ao rosto da mãe e da irmã da menina.
A imagem provocou grande polémica na altura. Muitos críticos alegaram que a cena era demasiado dolorosa para ser registada. Poderia, é claro, ser pintada. Mas nunca registada. Contudo, a fotografia acabou por seduzir o Prince Albert, que não só comprou uma´reprodução, como também manifestou o desejo de adquirir uma cópia de todas as composições que Robinson fizesse posteriormente.
"Fading Away" resulta da junção de cinco negativos, algo que também incomodava profundamente os defensores da ciência fotográfica. Robert Legat escreve o seguinte sobre esse episódio:
"Already at this period there were shades of the conflict between the art and science of photography. The Secretary of the Society and Editor of the Journal, Sir William Crookes, is quoted in Robinson's autobiography: "The secretary at that time was an unsympathetic chemist and all he could see in the picture in what he thought was a ''join,' an imaginary enormity which afforded a text on which he waxed eloquent." It is clear that many who admired "Fading Away" had no idea that it was a combination print and when, in 1860, Robinson outlined his methods at a meeting of the Photographic Society of Scotland, he was greeted with howls of protest from people who seemed to feel that they had been deceived. There was much discussion about what one correspondent referred to as "Patchwork", rather than composition, and Robinson began to conclude that perhaps it might be better in future not to divulge the secrets of his craft, but leave people to enjoy the finished product!
However, in "Pictorial Effect in Photography" (1867), a major literary work, Robinson wrote: "Any dodge, trick and conjuration of any kind is open to the photographer's use.... It is his imperative duty to avoid the mean, the base and the ugly, and to aim to elevate his subject.... and to correct the unpicturesque....A great deal can be done and very beautiful pictures made, by a mixture of the real and the artificial in a picture."
At a time when the Photographic Society seemed unduly obsessed with the scientific aspects of photography, Robinson was stressing the need to "see" a picture - advice which still holds good today: "However much a man might love beautiful scenery, his love for it would be greatly enhanced if he looked at it with the eye of an artist, and knew why it was beautiful. A new world is open to him who has learnt to distinguish and feel the effect of the beautiful and subtle harmonies that nature presents in all her varied aspects. Men usually see little of what is before their eyes unless they are trained to use them in a special manner." Some of his observations make sound advice today. Here is a comment on "rules" of composition: "I must warn you against a too close study of art to the exclusion of nature and the suppression of original thought.... Art rules should be a guide only to the study of nature, and not a set of fetters to confine the ideas or to depress the faculty of original interpretation in the artist, whether he be painter or photographer.... The object (of rules) is to train his mind so that he may select with ease, and, when he does select, know why one aspect of a subject is better than another."
"Fading Away", exposta na magnífica cela das mulheres do CPF, já justifica uma visita (grátis!) à mostra "Experimentação na Colecção de Fotografia do IVAM".
A imagem provocou grande polémica na altura. Muitos críticos alegaram que a cena era demasiado dolorosa para ser registada. Poderia, é claro, ser pintada. Mas nunca registada. Contudo, a fotografia acabou por seduzir o Prince Albert, que não só comprou uma´reprodução, como também manifestou o desejo de adquirir uma cópia de todas as composições que Robinson fizesse posteriormente.
"Fading Away" resulta da junção de cinco negativos, algo que também incomodava profundamente os defensores da ciência fotográfica. Robert Legat escreve o seguinte sobre esse episódio:
"Already at this period there were shades of the conflict between the art and science of photography. The Secretary of the Society and Editor of the Journal, Sir William Crookes, is quoted in Robinson's autobiography: "The secretary at that time was an unsympathetic chemist and all he could see in the picture in what he thought was a ''join,' an imaginary enormity which afforded a text on which he waxed eloquent." It is clear that many who admired "Fading Away" had no idea that it was a combination print and when, in 1860, Robinson outlined his methods at a meeting of the Photographic Society of Scotland, he was greeted with howls of protest from people who seemed to feel that they had been deceived. There was much discussion about what one correspondent referred to as "Patchwork", rather than composition, and Robinson began to conclude that perhaps it might be better in future not to divulge the secrets of his craft, but leave people to enjoy the finished product!
However, in "Pictorial Effect in Photography" (1867), a major literary work, Robinson wrote: "Any dodge, trick and conjuration of any kind is open to the photographer's use.... It is his imperative duty to avoid the mean, the base and the ugly, and to aim to elevate his subject.... and to correct the unpicturesque....A great deal can be done and very beautiful pictures made, by a mixture of the real and the artificial in a picture."
At a time when the Photographic Society seemed unduly obsessed with the scientific aspects of photography, Robinson was stressing the need to "see" a picture - advice which still holds good today: "However much a man might love beautiful scenery, his love for it would be greatly enhanced if he looked at it with the eye of an artist, and knew why it was beautiful. A new world is open to him who has learnt to distinguish and feel the effect of the beautiful and subtle harmonies that nature presents in all her varied aspects. Men usually see little of what is before their eyes unless they are trained to use them in a special manner." Some of his observations make sound advice today. Here is a comment on "rules" of composition: "I must warn you against a too close study of art to the exclusion of nature and the suppression of original thought.... Art rules should be a guide only to the study of nature, and not a set of fetters to confine the ideas or to depress the faculty of original interpretation in the artist, whether he be painter or photographer.... The object (of rules) is to train his mind so that he may select with ease, and, when he does select, know why one aspect of a subject is better than another."
"Fading Away", exposta na magnífica cela das mulheres do CPF, já justifica uma visita (grátis!) à mostra "Experimentação na Colecção de Fotografia do IVAM".
segunda-feira, março 14, 2005
A dor
"E aos poucos fui começando a juntar a minha bagagem no quarto. Esta foi uma operação reluzentemente bonita que trouxe ansiedade. Parecia-se bastante com as ondas. Onde quer que eu estivesse nesta operação - de uma separação inevitável mas natural e de algum modo triste -, quando de repente parava, era um sentimento doloroso, como uma palpitação, mais do que um sentimento de amargura, que se aproximava ininterruptamente no interior do meu coração eu sabia-o."
"Adeus Tsugumi", de Banana Yoshimoto (Cavalo de Ferro, 2004)
"Adeus Tsugumi", de Banana Yoshimoto (Cavalo de Ferro, 2004)
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
Sobre a prosperidade
"Abomine a avareza
Humanize a riqueza
Ignore o modismo
Se liberte do consumismo"
Se assim for, a prosperidade pode ser um instrumento de felicidade.
Os versos acima pertencem a Martinho da Vila, uma espécie de visita amável que fez recentemente à cantora brasileira Fernanda Abreu. Para ouvir na canção "Patroeira Debochada", no novo disco da ex-blitz Fernandinha.
Humanize a riqueza
Ignore o modismo
Se liberte do consumismo"
Se assim for, a prosperidade pode ser um instrumento de felicidade.
Os versos acima pertencem a Martinho da Vila, uma espécie de visita amável que fez recentemente à cantora brasileira Fernanda Abreu. Para ouvir na canção "Patroeira Debochada", no novo disco da ex-blitz Fernandinha.
domingo, janeiro 23, 2005
Austerlitz
"Os viajantes solitários que passam dias inteiros num silêncio ininterrupto normalmente agradecem quando lhes dirigem a palavra."
"Austerlitz", de W.G. Sebald, (Teorema, 2004, p.9)
"Austerlitz", de W.G. Sebald, (Teorema, 2004, p.9)
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