quinta-feira, outubro 16, 2003

Evandro Teixeira



Uma vez me disseram que aqueles que têm um dom raramente o manisfestam. Por outras palavras, as pessoas mais preciosas que já encontrei não trazem um letreiro a indicar isso. Então acontece nas relações humanas aquilo a que chamo "efeito-violeta": estão ali, num canto, com as suas folhas aveludadas e as suas florinhas perfeitas. Se frequentarmos muito uma casa com violetas, não conceberemos mais os parapeitos sem os pequenos vasos. Mas se estivermos lá, no meio de uma festa relâmpago e ruidosa, provavelmente nunca diremos: a casa tinha violetas.

Isto tudo é para dizer que o fotógrafo brasileiro Evandro Teixeira é uma violeta.



Sabe como poucos interpretar a realidade brasileira. Trabalha com gosto, trata grandes repórteres e estagiários com a mesma simplicidade. Tem mais energia do que alguns colegas vinte anos mais novos do que ele. O Jornal do Brasil teve a horna de tê-lo na sua equipa. Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe um poema, texto que considero o elogio máximo do fazer fotojornalístico.

"Diante das fotos de Evandro Teixeira

A pessoa, o lugar, o objecto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo sob a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.



É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das figuras.



Fotografia - é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.



Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras, tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?



Marcas da enchente e do despejo,
cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova Iorque
a moça em flor no Jóquei Clube,



Garrincha e Nureiev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois que são fotos.



Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo
a viajar, a surpreender
a tormentosa vida do homem
e a esperança de brotar das cinzas.




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