sábado, fevereiro 03, 2007

O sim de Pulido Valente

Vasco Pulido Valente escreveu ontem na última página do Público (o seu espaço habitual) um texto espantosamente lúcido. Sem fel, sem desejo de contrariar por contrariar. Sem a amargura que já é quase marca registada do colunista. Vale a pena recordar algumas passagens (sobretudo para os brasileiros, que raramente têm acesso aos artigos de opinião do jornal):

"A actual lei portuguesa sobre o aborto não respeita aquilo a que os partidários do "não" costumam chamar "o valor absoluto da vida": admite o aborto em caso de violação, malformação fetal e grave perigo para a vida ou a saúde física ou psíquica da mãe.

[...]

O mal do referendo está, e sempre esteve, no facto de que as pessoas nunca, ou quase nunca, discutem, informada e razoavelmente, os méritos da questão a voto e que depois nunca, ou quase nunca, votam sobre ela.

Votam em nome de um princípio religioso, de uma ideologia ou de um sentimento. Se têm "razões", têm "razões" fabricadas para a circunstância, que não se aplicam, ou só com muito boa vontade se aplicam, ao problema em causa.

Pior ainda: o motivo mais comum para votar "sim" ou "não" é da relutância (ou o medo) de não seguir o grupo a que imaginariamente se pertence: a Igreja, a direita, a esquerda, a profissão ou a família.

[...]

O "não", sem defender o regime presente, alega que esta medida irá aumentar e "normalizar" o aborto. E, para evitar esse perigo, aceita que milhares de mulheres paguem um preço de sofrimento e de humilhação (a maioria infelizmente por ignorância e miséria).

O "sim" prefere acabar com o mal que vê e pensar depois no mal que vier, se de facto vier. O referendo é um acto político, que se destina a mudar a sociedade (idealmente, para melhor) e não resolver um debate. Claro que, se o "sim" ganhar, o Estado, na prática, "oficializa" o aborto. Mas triste de quem espera do Estado uma fonte de legitimidade moral. Por mim não, espero. E voto "sim".

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