quinta-feira, julho 19, 2007

Os mortos, o silêncio

Dizem que a colossal vaia ao Presidente da República do Brasil, na abertura dos Jogos do Pan, foi "orquestrada pela oposição". Mas ninguém poderá dizer que foi orquestrado o silêncio das pessoas que passavam pela habitualmente ruidosa Avenida Washington Luís, local do acidente com o airbus da Tam, assim como o silêncio da equipe de resgate, dos moradores das imediações e da população em geral. Silêncio de consternação e respeito pelas vidas interrompidas (quase duas centenas) desta "tragédia anunciada", conforme ecoam as manchetes dos jornais. Silêncio de solidariedade pela dor dos parentes e amigos. Silêncio de indignação diante das conseqüências do descaso geral. Silêncio compungido mas também acusador, diante do covarde silêncio das autoridades em reconhecer a sua parcela de responsabilidade e conveniente tagarelice em lançar para outras instâncias o ônus da irresponsabilidade e desgoverno que imperam no país.

Comove-me pensar que todos os passageiros, quando o avião pousou, respiraram aliviados (sobretudo os com medo de viagens aéreas), imaginando ter chegado ao destino, e já decerto sonhando com abraços e rencontros, jamais cogitando que morreriam instantes depois. Comove-me a inimaginável angústia do piloto naquele momento, percebendo e tentando desesperadamente evitar a tragédia. Comove-me pensar que funcionários da Tam Express e do posto de gasolina, atentos ao seu trabalho, foram subitamente envolvidos pelas chamas. Comove-me ver imagens, como a do bombeiro, recolhendo dos escombros pertences e malas chamuscados, que certamente traziam lembranças de viagem e prendas para os que ficaram. Comove-me ver os rostos dos mortos desconhecidos estampados nas páginas dos jornais. Comovem-me histórias de famílias destroçadas, de sonhos abortados, como a da aeromoça grávida de quatro meses, a das duas crianças que viajavam desacompanhadas, a do rapaz que deixou órfão um filhinho de três meses, a de outro que deixou dois filhos pequenos, a do funcionário da Tam Express que, desesperado, lançou-se do prédio em chamas...

Respeitosamente, envio o meu pensamento, em forma de silenciosa prece, para os familiares e amigos das vítimas, para os incansáveis bombeiros e demais profissionais que ajudam nos trabalhos.

Indignadamente, envio o meu protesto diante deste evitável acidente causado pela incompetência das "autoridades competentes". Se quiserem, podem chamar de vaia - uma ruidosa vaia, certamente não orquestrada, mas justificada, merecida.

quarta-feira, julho 18, 2007

Para onde foram as coisas que desapareceram no Porto?

Gente, desculpa, mas não é todo o dia que as nossas amigas maravilhosas aparecem aqui. Fica então indicado o atalho para conhecer um pouquinho do trabalho que a bailarina Vera Santos tem desenvolvido em Lisboa. E por que é que esta artista nascida e "residente" no Porto (e loucamente apaixonada pelo Porto) passa mais tempo em Lisboa do que no Porto? Boa pergunta.

sexta-feira, julho 13, 2007

Garton Ash no Rio de Janeiro

O britânico Timothy Garton Ash está no Brasil, mas precisamente no Rio de Janeiro. Já foi à Cidade de Deus, conversou com a antropóloga Alba Zaluar, com o músico MC qualquer coisa (desculpem, tenho péssima memória) e descobriu só agora as várias e criativas formas que os brasileiros têm de definir a sua própria cor (geralmente por ocasião do censos): café com leite, torradinho e marrom bombom são apenas alguns exemplos.
Na sua crónica habitual no The Guardian, publicada ontem, diz o seguinte:
It is precisely this mixing that has helped tomake Brazilians among the most handsome human beings on earth. What is foreshadowed here - but I repeat, only if Basil can correct its dreadful social and economic imbalances, including a heritage of discrimination - is the possibility of a world in which skin colour is nothing more than a physical attribute, like the colour of your eyes or the shape of your nose, to be admired, calmly noted, or joked about. And a world in which the only race that matters is human race.

segunda-feira, julho 09, 2007

Uma varanda para o futuro

Deda, Melgaço, 2006

“A vida, minha filha, pode ser
de metáfora outra: uma língua de fogo;
uma camisa branca da cor do pesadelo.
Mas também este bolbo que me deste,
e que agora floriu, passado um ano.
Porque houve terra, alguma água leve,
e uma varanda a libertar-lhe os passos.”

(Excerto de “Um pouco só de Goya: Carta a minha filha:”, in Imagias, de Ana Luísa Amaral, 2001)