domingo, julho 13, 2003

Estava a ler "Viver para contá-la" (D. Quixote, 2003), de Gabriel García Márquez, quando me indaguei sobre como os estados de espírito podem afectar tão profundamente a leitura. Muitas pessoas podem ler a passagem "Estava tudo pronto para o desembarque feliz da mãe e das irmãs, quando chegou o telegrama com a notícia de que o avô Nicolás Márquez tinha morrido" (p. 120) como mais um dos milhares de elementos que compõem esta narrativa biográfica de Gabo. Para mim, contudo, que perdi o meu magistral avô no dia 18 de Dezembro de 2002, é impossível atravessar aquelas palavras sem estabelecer um diálogo muito próximo com a minha própria vivência. Pois quando o autor colombiano diz que "hoje vejo-o com clareza: algo meu morrera com ele", que posso eu fazer além de concordar e chorar? Que maior certeza poderia eu ter, com a obra de 600 páginas em mãos, de que são aquelas as palavras que talvez eu escolhesse se tivesse nascido com a literatura nas pontas dos dedos? Não nego que o Nicolás que se ergue na minha imaginação leitora tem as feições de António Almeida Azevedo.

Sem comentários: