sábado, outubro 25, 2003

À porta de Llansol (IV)

Tenho ainda "O Começo de Um Livro É Precioso" (Assírio & Alvim, 2003), de Maria Gabriela Llansol, em minhas mãos. Na estância 35, lê-se:

"Apesar de ele ter decidido não compreender, ela / Persistia em explicar-lhe por que lia a Gabriela Llansol ___ / «É a casa que ensina a ler (pausa) imagina um extraordinário /Atractivo para o amor (pausa) o livro fala (pausa) / Procura a página que te fala (pausa) são da substância / Dos beijos e da boca (pausa) sentam-se à mesa / Num estético convívio (pausa) a sua liberdade / É tal que, se as folhas se partem, regressam por si sós ao ponto de partida e juntam-se, esperando (pausa) são / Pombas somente ligadas por uma fita de voo (pausa) / Não vês?» (continua) ".

É curioso que a autora inclua no seu próprio texto o reflexo que provoca nos seus leitores. Talvez Llansol saiba que nem todos aqueles que assomam à sua porta se sentem confortáveis. É preciso pausas muitas vezes. Daí os hiatos ___________ que com frequência intercalam as suas palavras. Esses mesmos sinais gráficos que pontuam as obras são, por ela mesma, maravilhosamente descritos como "pombas ligadas por uma fita de voo". Cada um poderá entender como quiser este interstício que aparta (une?) o leitor da escrita. Eu vejo como uma imagem metafórica do leitor que se debruça sobre páginas, lendo-as, mas que, num dado momento, interrompe a leitura e pousa o olhar no horizonte. Esta paragem, que pode ser representada como _____________, também é leitura, ainda que os olhos não estejam pousados sobre as palavras impressas. Uma escrita assim permite um espaço inigualável de liberdade ao leitor.

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