quinta-feira, outubro 30, 2003

Quentin Tarantino



Acabo de ver a quarta obra de Quentin Tarantino. Depois de "Cães Danados" (1992), "Pulp Fiction" e "Jackie Brown", o realizador nos convoca para mais uma bem humorada sessão de violência: "Kill Bill". Uma Thurman aparece com um fato amarelo no melhor estilo Bruce Lee, cortando com uma espada samurai braços, pernas e cabeças. O sangue das vítimas jorra como poços de petróleo de banda desenhada. Aliás, Tarantino também recorre ao formato de desenhos animados para fazer algumas cenas de flash back. Com figuras orientais com olhos gigantescos e tudo.

Múltiplas linguagens, ícones liquefeitos por varinhas mágicas, uma pitada saudosa (mas com nova roupagem) de artes marciais. Cá temos o nosso velho Tarantino a contar histórias banais de um jeito fantástico, a fazer da violência a coisa mais divertida que podemos ter ao fim de um dia de trabalho. Ele próprio confessa: "A violência é a coisa mais engraçada que se pode fazer em filmes".

Há menos diálogos do que nas fitas anteriores. Em troca, temos mais acção. O filme apresenta-se como um livro, por capítulos. E o que podemos ver hoje nas salas de cinema constitui apenas o primeiro volume dessa obra. A sequela, só em Fevereiro de 2004. Apenas nessa altura saberemos como a heroína (Uma) completa a sua vingança contra aqueles que a tentaram matar no dia do seu casamento (um deles o Bill, o pai do filho que trazia na barriga).

Falem da banalização da violência, falem da dissolução da moral. O que é facto é que eu ri imenso. Porque aqui o poder atroz contra a vida (e a integridade física dos corpos, literalmente) atinge níveis tão elevados e descontextualizados que só nos resta não identificar tal violência como plausível e, por isso mesmo, rir desse descompasso entre vida e morte.

É o caso da cena em que a "guerreira dos cabelos cor de feno" luta contra uma inimiga vestida de quimono branco (Lucy Liu, ex-Anjo de Charlie): o cenário é um jardim zen, com flocos de neve desprendendo-se do céu, mas a música que embala este sonho nipónico é "Don´t let me be misunderstood", dos Santa Esmeralda. A japinha acaba por ser escalpelada, sendo que o seu couro cabeludo vai pelos ares até, em curva descendente, cair no chão alvo e gelado. Na sequência, aparece o crânio incompleto da criatura, que (pasmem!) ainda é capaz de dizer uma frase completa e gramaticalmente correcta.

Como conter o riso? Um riso incomodado e catártico, é certo, mas riso. Um riso que nos deixa mais confortados do que muitos filmes politicamente correctos.

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